“uma língua são oito músculos/ um frênulo a retém mais do que a gramática”. Os primeiros versos do poema que nomeia o livro de estreia de Nathalia Müller Camozzato noticiam o fio que contornará seu exercício poético: linha de calibragem fina demais que vincula a palavra à coisa e ao pasmo, tecendo um limiar que suporta a inexorabilidade entre as partes do jogo.
A língua, objeto de investigação de uma poeta-linguista, emerge como algo sempre “em condição muscular” e o articular da palavra nasce do convite feito por uma materialidade, que, não obstante se aloje na própria garganta — “It” no “I”, diria Jane Bennett — lhe é estranha: capturar, na precariedade do gesto, o lugar de si que é coisidade, palavra-corpúsculo, fio enroscado na glote, limas nas raízes dentárias, endométrio descamando no banheiro.
Há uma personagem que timidamente atravessa o livro, a mulher-ruína — “antes que desertemos da missão de vigiar e repetir essas ruínas” — quem, na conjunção disjuntiva, entre mulheridade, corpo, matéria e língua, inventa rachaduras que acomodam memória, sapatonice, raiva, amor e culpa.
Feito rio, o livro dá no mar. Somente quando lavadas a sal as ruínas é que, de modo heteróclito e ambivalente, pode ser instaurada uma narratividade evocando, por contraste, a violação, um chamado à revolta: “um dia, conforme/ mais e mais violências/ tiverem nome,/ (ou tiverem tradução/ para o português brasileiro)/ todos os estupros que sofremos/ voltarão.”