América

Disponibilidade: Brasil/Europa

quando as mãos de um homem desconhecido
te tocam é preciso não intuir que
as suas próprias mãos sabem como se mover
é preciso não responder pelas mãos
de um homem desconhecido
não achar que
as mãos te ferem porque as suas não
sabem ferir
não achar que fosse também você um matador
haveria menos sangue
neste chão

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Sobre este livro

América: atentado poético-performativo a todas as subjetividades, estéticas, narrativas e cenas coloniais. América: diálogo entre carne e terra, ou o momento em que, ao saber-se território invadido, penetrado e revirado, o corpo descobre-se carne. América: trauma/memória secular, veias abertas, sangue que não estanca. América: sangue sobre terra: feitiço. América: tremor enfurecido que vem do centro da terra cobrar cada gota de sangue jorrado, cada grama de minério extraído. América: tu me deves. América: o continente está para a terra como o corpo está para a carne.

Em América, Francisco Mallmann atenta o impossível: separar as carnes com as próprias mãos, diferenciar o sujeito de quem o sujeita. O fracasso é iminente, e é por isso mesmo que América carrega em si o paradoxo inescapável da subjetividade colonial pela lente dos vencidos: se esse mundo segue, por via de outras mãos (outras naus), fazendo de nós aquilo que não somos, se a retomada do corpo tem de passar antes pelo seu desfazimento, então a subjetividade por si só não pode nunca ser ponto de chegada.

América faz necessária pressão nas línguas coloniais que vibram por nossas bocas, propondo uma linguagem que trai a si mesma, desconfia de si (“rasgar com os dentes as palavras que sei”). América se faz assim um texto performativo por motivos que vão muito além de ter sido escrito para ser lido em voz alta — performativo sobretudo porque mira o abismo da linguagem, grita o nome dado ao novo mundo e permanece, (corpo enquanto matéria: carne), para receber de volta o eco violento da terra que recusa o nome que lhe foi dado. E se a/o poeta/performer nunca se vira de frente, se ela/e nunca responde aos chamados que querem encerrá-lo em um punhado de palavras, este é precisamente o gesto que lhe garante acesso ao mistério. Sua recusa inaugura algo que está além e aquém do sujeito e da subjetividade, e nos apresenta, sem floreios e com primazia estilística, à vertigem do paradoxo constitutivo das nossas vidas: nos roubaram o corpo ao mesmo tempo em que o inventaram. E inventaram a América enquanto a roubavam.

Miro Spinelli

 

_outras informações

ISBN: 978-65-87076-17-1
Idioma: português
Encadernação: brochura
Formato: 14 x 19,5
Páginas: 66 páginas, colorido
Papel: pólen 90 gramas
Ano de edição: 2020
Edição: 1ª

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