Os bastidores da literatura me fascinam. Adoro conhecer pormenores da criação de obras, conversar sobre processo com pessoas que escrevem, ouvir entrevistas a respeito do momento em que uma ideia surgiu ou foi considerada digna de ser levada adiante. Além de ser interessante por si só, conhecer as coxias de um livro sempre faz com que eu crie uma relação especial, além-texto, com a história.
Relação esta que tenho com Tanque de areia desde o comecinho, já que a semente para o livro surgiu como um exercício do Clube de Escrita da Mafagafo — um espaço fechado a contribuintes do projeto de financiamento coletivo da revista onde prompts de escrita eram propostos todo mês. Numa determinada live, caímos na gargalhada quando a ideia “um homem carregando uma porta no deserto” virou “um homem carregando uma porca no deserto”, e o Danilo prontamente assumiu a missão de escrever algo com essa premissa no mínimo… inusitada.
No mês seguinte, li o resultado. Para minha surpresa, algo inicialmente cômico e nonsense havia sido associado — embora sem perder a graça — a uma imensa metáfora, apropriadamente amalucada, de tudo que estávamos passando no fim do mandato do inominável, lá pelas idas de 2021 (e que ainda passamos e vamos passar com a extrema direita, mas vamos com calma). Não lembro exatamente o que comentei, mas me recordo claramente de ter dito que uma das únicas certezas que tinha era que aquele texto podia — e devia — ser maior.
Para minha alegria (e sorte de todas as pessoas que estão com este livro em mãos), o Danilo acolheu essa recomendação e expandiu um exercício de três mil palavras em uma noveleta com mais metáforas políticas, reflexões filosóficas, ação e um pouco de humor — porque tem coisa que só rindo mesmo. (Ah, o homem carregando a porca nas costas enquanto perambula pelo deserto ainda está lá — e faz tanto sentido quanto é possível dentro do contexto.)
Ler este livro é embarcar numa viagem quase psicodélica sob o ponto de vista de vários personagens que (espero!) pensam muito diferente de quem está lendo. O que a princípio cria um grande incômodo depois se transforma num recurso muito valioso para rever os últimos quatro anos sob uma ótica mais expandida e generosa (embora nenhum pano seja passado aqui).
Prepare sua bandana, se besunte de protetor solar e se abra para conhecer por dentro o Tanque de areia.
Jana Bianchi, autora de Sombras e de Lobo de rua (Amazon, 2016).