As gotas de Cibely Zenari atravessam todo o texto. O feminino, a maternidade, o dentro vão se manifestando em cada conto, úmido. Escrito num tempo estranho, Gota é uma tempestade, vista da janela.
Ela já avisa no início: o tempo se marca em pingos de espera, e antecipa que a vida comum é só tudo isso mesmo. A vida comum, o aluguel, o emprego, as contas, a escola do filho, o desejo de um grande amor, o medo da morte. Só que desta vez, o medo da morte se escreve com maiúsculas, numa trajetória autobiográfica coletiva de quem esteve sob a tempestade quando ela chegou.
Cibely nomeia suas muitas mulheres para que existam “pela potência de uma corda vocal”. Elas falam e pedem, não mais por uma vida melhor, apenas para sobreviverem. Elas soam para que amanhã exista, para que a história continue e para que elas mesmas possam contá-la.
Num mundo pandêmico e desesperado suas personagens precisam tomar decisões diante do cotidiano. “Escolher, às vezes, é fazer nenhuma escolha” diz a autora e algumas situações parecem mesmo sem saída. Mas de quem é a responsabilidade quando não há alternativa?
Seja no confinamento entre máquinas de costura ou do condomínio, quando vão se esgotando as possibilidades de existência, é no outro que as personagens se apoiam. É no encontro, ou no desejo do encontro, que vão se reconstituindo sentidos e potências. Cada gota arrastada na outra até juntar num riozinho fino, até juntar num fio mais grosso, até juntar e ser poça, e ser qualquer coisa refletida, até chover outra vez. Até chorar e chover outra vez. E nisso, concordamos: existir é insistência.
Fernanda Senna