Em um tempo no qual as palavras se multiplicam para, muitas vezes, nada dizerem, nas inúmeras camadas de comunicação de nossa contemporaneidade – desde a chamada “grande imprensa”, passando pelo universo digital dos sites e perdendo-se na gigantesca mata fechada das redes sociais –, surge, conciso e oportuno como uma lanterna, Rupestres, quarto livro do poeta Carlos Frederico Manes. Ao mesmo tempo um diagnóstico de nosso século e seu elixir, os versos de Rupestres derramam-se como gotas aromáticas que se oferecem a nossos sentidos, nosso intelecto e – como aponta, solenemente bem-humorado, o poema de abertura – “ao juízo de quem não tem limo no ouvido”.
Passeando pelas tendências da arte e da poesia concreta da segunda metade do século XX sem nelas se limitar, e, ao contrário, repintando-as através de novos e inesperados ângulos, Manes registra o seu tempo e o atemporal, o nacional e o universal, a ordem e o espanto: “homens tornam-se poeira/diminutas formigas/o amor a arte a própria vida/esvaziam-se” (“Diário de um satélite”). Densidade e frescor caminham lado a lado em Rupestres, onde a palavra, conforme a definição auerbachiana, deixa de ser, em sua “função dupla”, apenas signo, para evocar sensações ao aparecer e – paradoxalmente – ao se ocultar. Essa palavra que se oculta, ou que se deixa vislumbrar, como uma silhueta, faz de Rupestres uma obra sobretudo pulsante, dinâmica, na qual a criatividade e a surpresa se desenham página a página.
Tomem-se alguns exemplos, como “Alerta”, em que a crítica social se alia a um cuidado artístico e gráfico: “vermelho/morte/vermelho/dentro da luz dentro da cabeça”, e o delicado poema a seguir, sem título, que parece responder à incômoda pergunta de “Alerta”, chegando como uma melodia superposta, um contracanto. Rupestres pode, aliás, ser apreciado como uma sinfonia: em seus andantes (“Euclidiana”), allegros (“Destilação”), vivaces (“Travessia”) e prestos (“Deus ex machina”), uma exuberância de temas e formatos têm entretanto um fio que os une, um eixo, uma batuta.
O leitor exigente de hoje, como aquele a que se referia Alfredo Bosi, que está “à procura de uma palavra carregada de húmus moderno e, ao mesmo tempo, capaz de transmitir alta informação estética”, encontrará em Rupestres serenidade e inquietação, resposta e angústia, antídoto e veneno, irreverência e mistério.
Natália Nami