O que é a crônica senão um retrato, a polaroide que registra um instante, e que, décadas depois, nos permitirá compreender um pouco melhor o período em que foi escrita? — Antônio de Alcântara Machado, Cecília Meireles, Rubem Braga, Clarice Lispector e Lourenço Diaféria que o digam, dentre tantos muitos outros. E, na tangência entre o estilo do conto mais clássico e algumas passagens que remetem à forma de contar dos cronistas, David Oscar Vaz nos brinda com esta coleção de textos, poéticos em determinados instantes, mais fluidos em outros, como numa conversa de vizinhos ou num papo defronte ao balcão da padaria de bairro que aparece no conto “A trama de Afrodite”.
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O escritor é íntimo da composição doméstica de Machado de Assis, e ares das famílias retratadas pelo gênio criador da Academia Brasileira de Letras surgem nas tramas deste volume, como uma pitada de elegância a mais na construção da prosa.
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Além da tradição machadiana e dos traços de memórias que surgem com pitadas de crônicas, nota-se no trabalho do autor uma linha de trabalho inspirada num outro mestre das nossas letras: Nelson Rodrigues. Há um elemento de trágico, de inevitável, que assalta as famílias descritas nos enredos e que nos leva ao prosador carioca. O olhar rodriguiano para algo a princípio despudorado, mas que não deixa de ser parte do humano (e que faz de tudo para ocultar os desejos mais verdadeiros muitas vezes), aparecem nos contos do livro, talvez com mais força no texto “O coração de Carolina”.
A dicotomia passado-presente, mais uma vez, em “Chuva oblíqua”, fazendo referência ao magistral poema de Fernando Pessoa, aparece costurando o narrador do presente com o jovem entusiasmado e célere de outros tempos — ele mesmo — entremeado a lembranças e decepções, porém diante de uma grande realização que é a publicação de um primeiro livro — ninguém sai impune da publicação de um primeiro livro. A história corrobora os movimentos de memória e imaginação que permeiam as sete narrativas, dando ao livro uma unidade que navega por recordações e projetos, saudades e ressentimentos: luzes a escapar por entre os vãos das palavras, por entre um acontecimento e outro, formando um bonito mosaico de impressões oferecidas ao leitor na forma de contos.
Moacyr Godoy Moreira