_sobre este livro
Quando publicou seu primeiro livro de poemas, Nefesh, em 2014, que tive a honra de editar, Nitiren Queiroz já explorava com segurança os aspectos sensoriais da linguagem, sua interface com dimensões que extrapolam o mero jogo entre o som e sentido, para alcançar o registro de percepções imediatas ao corpo, ao movimento, à relação coreográfica do poeta com o entorno: a palavra tangenciando o gesto, do desejo à revolta, do canto ao grito.
Para o poeta, como para os povos ameríndios, as palavras têm alma e são o alento de tudo que vive: nefesh. Não foi à toa que o filósofo Platão, cioso pela busca da verdade num mundo feito de sombras, via com perplexidade a pretensão de poetas ao emular a fala dos deuses. É nessa fronteira entre dizer e ser, nomear a experiência e fazer da palavra uma extensão de nosso corpo e psique, que o poema se engendra.
Neste Pelos olhos do jaguar, as antenas do poema fazem um giro de 360°, captando elementos da natureza, do outro, da metrópole e de uma infinidade de detalhes que formam e informam nosso aprendizado epidérmico da realidade.
O poeta se desnuda no poema, mas nunca de forma banalizadora, simplista, confessional: “Medir cada palmo/de carne, descartar a cada/palmo as máscaras/até que me reste a loucura”. No avesso da razão, ou melhor, de uma racionalidade instrumental, apaziguadora dos contrastes e das contradições do real, a poesia inaugura um novo olhar, da natureza para o intelecto, das coisas para a sensibilidade, tudo misturado na alquimia da linguagem.
O choro do menino solitário, marcado como gado, pode ser um indício de nossa barbárie diária, construída com zelo ao longo da história, mas será também a matéria do poema que não se aquieta e que não se rende; assim como as ruas da cidade, que guardam o gozo e a agonia do poeta andarilho pela “noite de pedra dos assassinos”.
A epígrafe de Davi Kopenawa nos ensina que essa voz que vem das profundezas do corpo e da mente, indomada pela razão, não pode ser remodelada ao gosto do usurpador, daquele que invade a terra para roubar não só as suas riquezas, mas também a identidade de seus verdadeiros donos. Não é possível tomar do jaguar a sua visão, ou seu bote. Então, que o poema, em suas vísceras de palavras, seja “a laringe dos espíritos” ou “uma porta pela qual nossas vozes podem sair belas e direitas”. Nitiren Queiroz
Reynaldo Damazio