O título deste romance de Renato Pugliese já deixa algumas pistas sobre o que o leitor encontrará pela frente: um tratado sobre o egoísmo e sobre a solidão decorrente desse impulso.
Até quando há companheirismo, afeto, amizade, há egoísmo.
Dois irmãos, Júnior e Eduardo, enraizados na segurança da classe média, nas reuniões em bares, em bandos, com as discussões pequeno-burguesas de praxe, o veganismo, o ativismo de internet, o bloco de carnaval, a saúde mental, os relacionamentos, os grupos de WhatsApp da família, a luta possível contra as pautas conservadoras todas; encontramos aqui um relato impiedoso de uma geração deslumbrada com suas próprias dores, formatando um mundo cor-de-rosa que se lixa para as concepções egocêntricas de uma bolha que, paradoxalmente, é a salvaguarda para essa turma.
Em meio a um desterro a dois e à inevitável separação, Eduardo, o mais novo, acompanha, com espanto, um vírus misterioso espalhar a incerteza pelo capitalismo, uma doença inédita agitando os alicerces frágeis do conforto assalariado.
Inicialmente a sociedade compra essa ideia de gripezinha, esse projeto, e, ao reconhecer o perigo, se divide e aguça, esgarça essa segmentação até patamares inimagináveis.
Os irmãos podem se isolar, podem iniciar sem maiores traumas a quarentena de anos, tornam-se experts em gráficos, em planilhas, em indicadores, enquanto uma outra parcela, antes com alguns pontos de convergência e agora completamente separada, descobre a eficácia das fake news, a barbaridade dos deep fakes, engatinhando na era pré-inteligência-artificial.
Os irmãos assistem, alarmados e impotentes, a um ambiente inteiro pronto, arrematado, surgir no horizonte de seus celulares e se recolhem ainda mais, horrorizados. É a grande charada desvendada neste livro: foram eles que optaram por se afastar da realidade, foram eles que expulsaram as teorias da conspiração da ordem do dia, foram eles que, do alto de seu direito ao home office, da garantia de que a plutocracia encontraria uma guarida para o darwinismo social reconfigurado, foram eles que abandonaram o jogo.
E o jogo estava fácil de ser vencido: bastava a empatia, bastava o diálogo, bastava a paciência, mas o encastelamento é mais eficiente: nossas utopias nunca nos confrontarão.
Eduardo e Júnior sabem muito bem disto.
Whisner Fraga