noctonautas: a cosmogonia segundo zizito é um longo poema em prosa, com marcações em versos e estrofes, algumas rimas quase incidentais e extensos períodos cujos meandros sintáticos são suavizados pelas quebras do verso — o que também funciona como pontuação e respiro rítmico.
O texto se abre como o universo inaugurou-se, com uma explosão, “a antemãe de todas as explosões”, inimaginavelmente explosiva, “de arrepiar partícula subatômica”, e com a solidão muda que a acompanha: “ninguém morreu/devido à ausência de candidatos aptos”; “escatafataplum mas ninguém ouviu”, pois não havia ar para propagar o som, “apenas onomatopeia de explosão e princípio”. De saída, a sensação de miudeza perante tanta grandeza. Uma miudeza tão ínfima, que a introdução “do microscópico ser/de nome zizito”, oriundo “das profundas entranhas do nada”, parece pouco afetar a insignificância do universo como resto, como entulho de explosão: “tudo é pedaço/tudo é estilhaço/tudo é irmão//tudo é vestígio/tudo navega em vão”.
Quem é zizito? O que é zizito? É real ou imaginário? Seria um ser? “ou simplesmente um jorrinho de luz vagalúmica”? zizito é o nosso guia através de uma cosmogonia poética, fabulada, lúdica, quase infantojuvenil, que retrai as imensas distâncias.
zizito é veículo de desvendamento de um dos mistérios que mais inquietam e fascinam a indagação humana: a origem de tudo, a origem do universo. Mistério em que se funda parte da atividade científica. Mas a ciência é apenas um dentre tantos mecanismos produtores de cosmogonias. Outros são mais diretamente associados à produção literária, como demonstra a riqueza das narrativas cosmogônicas produzidas por povos originários de diversas regiões do planeta, por diferentes correntes religiosas, ou pelas fabulações de intenção mais propriamente literária.
noctonautas é poesia, não equação. Contudo, procura transmitir a intensa carga poética que pulsa sob a fria aparência da linguagem e do método científicos. Quão fascinante e inquietante é sentar-se à noite na areia da praia e, ao observar o céu, conectar-se com a dinâmica das coisas celestes, sabendo de antemão o que a ciência explica? Que a estrela cadente é meteoro em chamas. Que a luz das estrelas vem de um passado que muitas vezes precede a própria existência humana. E o que fascina e inquieta é sempre matéria e energia latentes para a produção poética. O racional e o intuitivo, contrariamente a uma concepção comum, não se dissociam, mas, antes, se alimentam, enriquecendo-se mutuamente.
Fernanda de Campos