Um conto deve te vencer por nocaute, não por pontos, afirma Julio Cortázar. Ou seja, o conto deve capturar quem o lê desde a primeira linha, ou vai perder a interlocução.
Será?
Os contos de Marte Wirthmann, neste Neuroses de bolso, relativizam a afirmação de Cortázar. São contos escritos linha a linha, com extremo cuidado na escolha de cada palavra, com extremo cuidado quanto ao lugar de cada palavra escolhida. Assim, quem pega estas páginas não sofre uma derrota, mas se enreda linha a linha, como num poema — ou como numa luta vencida por pontos.
Devemos advertir, no entanto, que não se trata de prosa poética. Todas as fichas são apostadas na força de captura dos acontecimentos, dentro ou fora das personagens — às vezes no tênue embaralhamento entre o dentro e o fora.
“Olhares me invadem ao caminhar pela avenida e não sei se sou mentira ou invenção. Prefiro abaixar a cabeça e acompanhar as rachaduras da calçada.” As rachaduras da calçada são uma metáfora da fragmentação de quem não se sabe real ou invenção, verdade ou mentira, e, simultaneamente, elas compõem a imagem de uma cena cotidiana, quase banal. Pode-se afirmar, aliás, que esse é um procedimento corrente nos três contos: fazer do rotineiro, do banal, metáfora para o que é subjetivo e de apreensão mais sutil.
Vejamos mais um exemplo: “Sinto uma textura pastosa e árida entre a língua e o céu da boca, como o pequeno deserto de um planeta distante”. Acordar com uma espécie de deserto pastoso na boca é a descrição do despertar num dia qualquer de cansaço e, ao mesmo tempo, metáfora que torna sensorialmente acessível (pela imagem) as porções de solidão que deixam “os ossos retorcidos”.
Mas e o conteúdo? Do que se trata um livro chamado Neuroses de bolso? A resposta caberá a quem se deixar apreender por estas páginas. Apenas dois spoilers: são histórias de pessoas que se encontram e se desencontram “sobre as irregularidades de um céu rachado”; ou, ainda, são histórias sobre pessoas tentando encontrar uma casa no mundo, lembrando que “casa é a aflição na ponta da língua ao esquecer uma palavra”.
Wesley Peres