Muxima traz, em seu nome e essência, a lógica da subversão. Carrega em seu nome filosofias nossas e em sua essência uma escrita potente e que muito me lembra do que o psicólogo Dr. Joseph White chama de um “um jeito preto de falar”, e chama atenção para como as rimas e a poesia foram e ainda são uma estratégia de sobrevivência do povo preto.
A oralidade segue sendo uma de nossas principais tradições e tecnologias, mas, como qualquer tradição cultural que se mantenha na contemporaneidade, o registro de nossas heranças, memórias, vivências e oralidades se faz presente no caminho da permanência e vida dos nossos. Assim, Gisele subverte a colonização de seu corpo, seus sentimentos e sua espiritualidade (e, por consequência, de todas e todos nós) enquanto se humaniza e se desnuda em escritas intensas e fluidas.
A leitura de Muxima é um mergulho em que, não surpresa, me deparo com toda a profundidade que essa palavra carrega. Muxima, Okan, Coração… Para os povos Bantus, alguns dos primeiros a serem trazidos de África forçadamente para estas terras, muxima não é só o coração que bombeia o sangue, mas é o que nos mantém vivos, porque transcende a definição física de coração e traz a essência que conecta a experiência humana à sua própria consciência. E, assim, Gisele traz, no próprio título, um convite a um portal intrigante e profundo que nos leva a uma jornada íntima, reflexiva e emocionante.
Submersa em coragem, ela mergulha em si e, consequentemente, em todas e todos que a fazem ser, e nos convida a dançar debaixo d’água embaladas pelo ritmo de suas palavras que, além de melodia, trazem imagem, aroma e sabor. Em cada etapa desse percurso, a Seca, o Barro, a Nascente e a Queda d’água, nos leva a sentir as nuances da vida. Entre Seca e Queda d’água, uma infinidade de vida se faz presente e não se finda no último poema. Escrita que é rio, que deságua, preenche e corre mundo dentro da gente.
Muxima é um mergulho profundo e ao mesmo tempo leve e dançante sobre emoções, caminhos, escolhas, dores e alegrias de uma mulher negra que expõe seu íntimo e assim se faz espelho para que nos encontremos também em vivências e sensações tão únicas e coletivas. Afoguemo-nos juntos na abundância que só uma mulher que é água pode proporcionar em suas palavras banhadas em mel e dendê para retomar o ar da vida e o poder de sentir.
Dangê ua Lunda