Um congresso de pedregulhos e seixos; odes a insetos e personagens de anime; um Deus avesso a teologias e poemas de amor que podem ser lidos de trás para a frente. Essa mistura improvável, em igual parte lirismo e jogos de forma, é o que compõe o genoma de Insira uma ficha e pressione este botão se quiser ver a luz do dia, segundo livro de poemas de Felipe Fortaleza.
Tratam-se de poemas escritos, editados e redescobertos durante a pandemia. Na impossibilidade de “ver a luz do dia” durante os períodos de necessário isolamento social, restou ao poeta a opção de brincar com os versos e as permutações sentimentais — como quem brinca com máquinas de fliperama, gastando fichas em atividades sem nexo (mas, por isso mesmo, cruciais).
O primeiro terço do livro contém os versos mais lúdicos e as realidades mais fragmentadas. No impronunciável poema “bnυɿɒdɒɉoɿ”, um livro contém todas as histórias e os futuros, inclusive os do leitor que o lê; em “O jogo engraçado”, regras que desaparecem junto com o jogador, tão logo sejam usadas. Há aqui sandboxes, móbiles, sistemas precários de partes alternantes. Influências concretistas, mas sem perder uma certa e particular melancolia.
Em seguida, os poemas se dirigem ao campo do amor, mas os objetos amorosos são heterogêneos e facetados. Deus ama o homem, mas seus atributos são incompreensíveis, e aquele amor é como os sentimentos misteriosos dos polvos (“Pois crede”). O amor também se volta à vida, à mesma substância que é drenada na rotina, dentro e fora do confinamento (“Dois dias por dia”).
Finalmente, no último terço, tem-se uma veia simples e direta. São quadras pentassílabas, uma tentativa de sintetizar o que há de alquímico no livro, costurando temas através de um ritmo comum: origem, religião, o movimento dos astros, os peixes e o próprio leitor, razão última da solitária atividade de escrever.
Insira uma ficha… busca, sobretudo, recompor as criaturas diárias sob um novo ângulo e revelar o que há de novo nos objetos e nas sensações mais familiares. Um pequeno e estranho diorama, sonhando com a luz distante do