Horizonte de espantos

Disponibilidade: Brasil/Europa

Mal rompe a manhã, Dasdores chega em casa do serão, depois de comer o pão que o diabo amassou naqueles teares da Manufatora. A noite inteira foi um suplício: mato ou não mato aquele desgraçado? A vida besta demais para um desagravo assim tão derradeiro. Cachorro!!! Quando um não quer, dois não brigam, dizia seu velho pai. Nem filho arranjou, era nova, podia arrumar outro homem, ouviu do Abdias contramestre naquela noite. Esquentar a cabeça com o Nerivaldo? Não merece que eu suje minhas mãos. Aquele traste já nasceu torto, pensou. Decidida, entrou de manso-mansinho, apagou a luz da sala, ele dormia ainda com o cheiro da cachaça da noite anterior, pegou as malas e picou a mula. Quando deu meio-dia, ele pulou da cama esfregando os olhos, a ressaca tinindo em seu fígado, a boca amargando e um vazio enorme dentro de casa. Dasdores estava bem longe.

 

 

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_sobre este livro

O poeta, prosador e crítico brasileiro Ronaldo Cagiano lança novo livro a partir de sua atual morada lusitana. Distinguido com um prêmio Jabuti por seu livro de contos Eles não moram mais aqui (2016), Cagiano nos apresenta, neste Horizonte de espantos, um desaguadouro afetivo dos temas capitais que inervam sua escrita.
Tal como Alberto Caeiro, que exaltava “o rio que corre pela minha aldeia”, Cagiano também não se distancia muito dos rios que cortam sua cidade natal, Cataguases, Minas Gerais: o Pomba e o ribeirão Meia Pataca, que flagelam os ribeirinhos em época de cheias. Não por acaso, o poeta já publicou Os rios de mim (editora Urutau, 2018). Assim é que este inventário de espantos, por mais kafkiano ou algo fantástico em certas narrativas, revisita inelutavelmente os tempos e viventes das margens do rio Pomba. Pois é o anjo (ou o demônio?) da memória que preside a estes relatos, como em “Estrangeiro”, em que o protagonista percorre sua antiga cidade interiorana, revendo fantasmas pontuais e sempre assombrado com a permanência desse tempo staccato, coagulado. Esse fluxo da memória beira o delírio em “Acossados”, enquanto a vítima de um sequestro-relâmpago, sob a mira de armas, é avassalada por rajadas de lembranças extemporâneas.
O espanto é recorrente até mesmo numa crônica aparentemente lírica da infância, “Vozes”, que será marcada pelo espanto da finitude e da dissolução final. E o conflito da vida republicana brasileira se atualiza em “Vórtice”, quando velhos companheiros de luta armada, nos Anos de Chumbo, se reencontram em meio às manifestações políticas de junho de 2013. Segundo Jorge Luis Borges, todo autor teria no máximo uns quatro ou cinco temas eletivos, aos quais retornaria, assim como Uróboro/Ourobóros, a serpente mítica, devora a própria cauda. Nessa viagem circular, à beira do rio Pomba ou do Tejo, o escritor Ronaldo Cagiano segue acompanhado por seu cortejo de fantasmas, históricos e existenciais, rumo ao perene horizonte de espantos.

Luiz Roberto Guedes

_outras informações

isbn: 978-65-5900-226-9
idioma: português
encadernação: brochura
formato: 13x19 cm
páginas: 78 páginas
ano de edição: 2022
edição: 1

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