O meio de acesso às distintas experiências da vida é impossível de ser determinado e suas portas não surgem nas circunstâncias e nos momentos fantasiados pelo inconsciente – a máquina ideal. A síntese de Apesar da Hora das Portas seria essa, caso não fosse a inconclusão dos caminhos o traçado direcionando igualmente o leitor através dos diferentes poemas a serem descobertos.
Inicialmente, é necessário construir a delimitação do corpo da linguagem, inserindo uma obra como a vocalização do artista que se manifesta no tempo e ao seu tempo. Não se reivindica, portanto, uma escrita imparcial – afinal, tudo que não consta em um livro é também a afirmação de um silêncio –, concluindo, por isso, que os capítulos materializam as costuras de um ser específico que se auto desenha historicamente. Vislumbrar essa premissa torna possível a continuidade da arte fora do criador, a arte pela arte, a mágica/algo além.
A obra assume, então, uma segunda face, múltipla, onde o leitor é chamado para identificar nos capítulos e nos poemas a ordenação de sua própria experiência poética de leitura, recriando-o. Ao se apropriar do livro de modo que ele não seja considerado um objeto terminado, seguindo a descrição da poeta argentina Alejandra Pizarnik quando resumiu que “únicamente el lector puede terminar el poema inacabado”, sua ressignificação ocorre.
Toda poesia é política e, por meio dos embates incômodos que movimentam versos/dos corpos/revoltos, o texto identifica a necessidade de se criar meios de recapturar a subjetividade e a capacidade de abstração dos sujeitos. Há no livro, em verdade, uma urgência em debelar a atual massificação da catatonia como verdadeiro estado de espírito coletivo, algo intensificado pelas novas roupagens do fascismo de nosso panóptico.
Assim, a leitura ativa e crítica de Apesar da Hora das Portas acaba sendo um dos caminhos de formatar nossas sensibilidades em alternativas de enfrentamento a realidade contemporânea. Reencantar-se através daquilo que nos toca proporciona o estabelecimento de novas coletividades a partir da ação ao se provar, inclusive, o amor em sua dimensão total, esquentando e esfriando, mesmo quando seu encontro tarda.
O risco é onde a afirmação da vida pode se estabelecer, e entender a máquina humana como construção é, ao fim, entender que estamos sempre no tempo de jogar novos dados; ao contrário disso, de costas para este fato, é certo, estaremos à mercê de sermos preenchidos, seguindo nas mesmas posturas e mesmas portas.