armar morada
É com esse primeiro verso que o sal e a sede nos convida, ou — eu ousaria dizer — nos adverte, ainda que sutilmente, a habitar um tempo e um espaço transbordantes. Surge do início uma curiosa quietude às beiradas de um segredo azul profundo.
Então aproveite o silêncio e não se esqueça de molhar os pés. As poesias aquáticas deste livro criam sentidos para palavras que se expandem, dançam com ritmos e semânticas, conjuram corpos, areias e águas-vivas. O mar toma forma nas conchas que escutam, na espuma que desabriga, nas ondas que envolvem e voltam a revestir os passos.
Aqui nos encontramos com a sede de um poeta que escreve com a pele e a língua como os principais instrumentos da memória. São mapas do instinto que ludibriam as linhas do tempo, evocam a saudade e percorrem distâncias, criando caminhos tanto para o anseio quanto para o abraço das marés.
Não apenas um experiente marinheiro, entre cruzamentos, derivas e naufrágios, ele também nos leva a viajar por terra e estrelas que revelam comoventes cartografias de afetos familiares, sonhos e lembranças. A sensibilidade de um olhar para o lampejo fugaz de um cometa ou para a perene mansidão das montanhas nos conduz à contemplação de ecos e espelhos.
Penso que existem muitas formas de cercar-se pelo mar.
Pode ser na solidez de uma ilha,
na travessia de um barco,
ou no flutuar do próprio corpo à deriva.
Mas talvez seja apenas através da total submersão que faltas e desejos finalmente se incendeiem em cores e vida. Como baleias e perséfones que transitam desimpedidas por tantas camadas de ambivalências, Guilherme nos prova que a profundidade é luminosa. Descobrimos que a melhor forma de emaranhar-se em suas palavras é tomando fôlego, com a sede do sal, do salto e, enfim, do mergulho.
Marcela Moretto