Que a poesia fala com o coração, isso não é novidade. Mas como seria uma poesia que falasse com o pé? Como seria uma poesia que falasse não com o coração na boca, não com o coração na mão, mas com o peito do pé? Aqui, falar com o coração na boca, ou com o coração na mão, também é falar com o que se escuta desse peito que pulsa na planta do pé. Este livro se faz em deslocamento: do pé do ouvido ao ouvido do pé. Esta escrita começa pela escuta, e essa escuta se passa por aprender a pisar. Assim, este livro transmite um saber: “Amar começa assim:/colocar os pés/no chão do outro/para ouvi-lo”. Ele transmite um saber amando, gozando, com o corpo todo, até com as margens do corpo, as extremidades. Amar passa por saber ouvir com os pés. A sabedoria dos pés, como princípio po-ético, erótico, filosófico, leva-nos a vislumbrar como seria uma escrita, uma escuta, um amor, um pensamento, um aprendizado que começasse pelo pé.
Caminhar por este livro é andar pelas trilhas de um romance e seus atalhos, suas fendas, seus buracos. Com pés cansados, pés lascados, caminha-se com a planta dos pés cheia de calos: qual é o burburinho do calo? Aqui, o que se cala fala sempre mais alto. Ele vai sulcando as besteiras que historicamente homens dizem sobre mulheres, fazendo do pé um ouvido ancestral que escuta o solo comum daquelas que nunca foram escutadas por eles, sempre pisoteadas pelo machismo, até levar todo esse barulho subterrâneo à superfície do pé da letra. Da planta do pé escutamos todo um pé de árvore: raízes, frutos, grama, toda uma gramática que grafa nesse terreno esburacado os passos de uma travessia tão antiga e tão presente nas mulheres. Tão antiga e tão presente como canções que escutamos desde sempre. Tão antiga e tão presente que chega a ser brega. Sim, essa travessia se faz pelo eco do brega, pelos jambeiros de Belém do Pará, pela paixão que faz ver estrelas, pela dor revertida em humor. Cair apaixonada como quem dá uma topada é apostar a sorte e o azar no lance dos versos: Teresa Dantas tece um modo de amar não com o manto de Penélope, mas com um pano de chão que junta os cacos do que não irá retornar, e faz dessa falta a abertura de caminhos para uma escrita ao rés-do-chão. Esse é seu maior lance, seu maior flerte, seu maior crush, seu maior gozo. E o que não é a catacrese senão uma palavra que falta? Com essa figura de linguagem que serve para suprir a falta de uma palavra específica, escutamos com a planta dos pés a vida que passa e pulsa aos pés da cama, nesse lençol freático úmido e quente.
Danielle Magalhães