VACA. Não é novidade o gesto de apropriar-se da ofensa e convertê-la em experiência de afirmação. BIXA, QUEER, PUTA, SAPATÃO são palavras ressignificadas porque, de objeto do discurso violento, passam a ser reposicionadas por aqueles e aquelas que as recebiam como injúria.
No entanto, vias distintas se refletem a partir de uma ou outra perspectiva: de um lado, subverter os marcadores de violência reivindicando identidades agora positivadas diante do opressor, de outro, ir em direção à violência que subjaz aos termos, perscrutando-os de dentro, e correr o risco de uma identificação perigosa mas que tem, creio, o potencial de dissolver as posições que garantiam a equação opressiva.
Essa, acredito, é a via negativa, a via abjeta adotada por Bruna Betito.
VACA. em um gesto sacrificial — esse abate! — encontra também um significado “profanador” no sentido Agambeniano, porque ao “re-jogar o jogo”, ludicamente, desvela seus mecanismos, desmonta-os e abre os sentidos capturados contidos nessas quatro letras.
Em um intenso processo em que arte e vida nunca se separaram, correndo os riscos da esfera judiciosa em que se coloca — quem é “a amante”, afinal, no tabuleiro do gênero, da heteronormatividade e da monogamia compulsória? — Bruna, ainda assim escolheu a ViA láCteA.
Abrindo espaço na letra morta, nos clichês, nos tabus, nos discursos prontos, nos papéis fixos, se desintegrando no espaço mais vasto — cósmico, mítico — da criação.
Janaina Leite