Reconstruções queers: uma utopia do lar

Muitos dos estudos sobre gênero e sexualidade se detiveram sobre os processos de coerção e normalização dos corpos, bem como às insurgências dissidentes que não se adequam ao padrão cisheteronormativo em espaços públicos e instâncias institucionais. No entanto, poucos se debruçaram sobre o âmbito íntimo e familiar, aos modos de coletividade e as redes afetivas que esgarçam e desestabilizam as noções estabelecidas de família, lar e casa, permanentemente reconfiguradas e reinventadas pelas vivências queer.
Em Reconstruções queers: por uma utopia do lar, Adriana Azevedo enfrenta com coragem e delicadeza esse desafio ao compor, em suas palavras, uma “paisagem constelar” por meio do diálogo entre conceitos advindos de textos teórico-críticos e trabalhos artísticos, muitos com uma circulação ainda escassa no Brasil.
Encontros que soam ao mesmo tempo íntimos e inusitados e tocam percepções tão difíceis de abordar porque complexas e desafiadoras para quem as vive, e por isso mesmo cruciais para a produção de conhecimento teórico-crítico, pois, como ressalta Adriana, “o íntimo é político”. Com uma escrita ao mesmo tempo criteriosa, precisa e prazerosa, segundo uma ética do cuidado que as vivências queer desempenham na criação de modos de vida desviantes e nas reconstruções das noções de família, casa e lar, a paisagem desenhada por Adriana Azevedo torna-se
também terreno fértil onde a vida brota e se faz possível, sopro de vitalidade para que não sufoquemos.

Felipe Machado