Onde começa e a que se conforma a experiência do que é propriamente humano? O que, aquém disso, toca o puro instinto, confina com a pura Coisa? O que, para além, aponta na direção dessa utopia de horizonte que é o Amor?
É na estreita e ao mesmo tempo vasta rachadura entre esses dois continentes que os 15 contos de Coisa Amor se desenvolvem, convidando — ou, mais exatamente, compelindo — o leitor a, fundindo e dissolvendo a distância entre esses domínios, revisitar a própria idiossincrasia, espelhando-a na memória, na infância, no sexo e no desejo, na solidão, nas relações entre pais e filhos, na loucura, no inconsciente, na crueldade e na arte — em tudo, enfim, que é universal à nossa condição.
Os contos, que intercalam formas breves e longas, são elaborados com instigante variedade de estrutura e estilo. E as histórias podem ser duras. Em Passo a Passo, conto que abre o livro, investigamos a depressão de uma bailarina que, talvez de propósito, acaba se cortando com uma louça quebrada. Em O Peso de um Mundo, o narrador visita a mãe por uma última vez, amargando o rompimento de sua relação. O tema da maternidade, aliás, é recorrente: Years of Solitude, narrativa de um namoro abortado, mostra como um vínculo simbiótico com a mãe pode ser insuportável, e Nutriz retrata a psicose faminta de uma mulher em puerpério. Em A Bruxa, para tentar fugir da peste que dizima amigos e familiares, uma moça se volta, de vingança, a um novo deus; em Erguer um Totem, um homem encontra no sadismo uma possível panaceia sexual.
Existem no livro, contudo, pontos de descanso e de amparo, em que o autor nos lembra de que, apesar de implacável, a vida ainda nos permite encontrar beleza, laço e doçura: com Tranças, Cafés e Sangue de Sangue, o giro pelas memórias das personagens centrais demonstra que, entre pais e filhos, há sempre espaço para a compreensão e o perdão; em Oráculos, Ondas, a amizade surge como uma boia de salvação — e em Coisa Amor, conto que dá nome ao livro, ficamos às voltas com uma indagação: o que é o amor — acaso, corpo ou destino?
Ao final, as perguntas do início não só não encontram respostas, mas também se veem, em portentoso amálgama, acumuladas a uma infinidade de outras interrogações que precisamos nos impor conforme avancemos na leitura. Não há nisso, contudo, desalento algum: é munido dessas questões que, com grata surpresa, o leitor se descobre um pouco mais próximo do núcleo duro e inefável do que o faz humano. Pedro Jucá Juca