Como seria você no mar?
A escrita começa antes. Beeem antes… Antes da primeira tecla digitada ou primeira letra desenhada. A escrita começa antes da ideia sobre o que escrever. Como um fruto, a escrita já está acontecendo desde o brotar da semente, em processo lento, levando o tempo que tem que durar para o crescer, desenvolver, gerar flores, maturar. A escrita é uma flor aguardando pelo pólen grudado nas patinhas de uma abelha ameaçada de extinção. A escrita começa antes, está no observar a janela e narrar o que vê, no levantar da cama, no escutar a mãe contar histórias que escutou da sua mãe, que escutou da sua mãe, que escutou da sua mãe… No guardar peixinhos no samburá. O conjunto de letras que se desenha já aconteceu antes, na fala de alguém, numa palavra tropeçada, nos segredos soltos em sussurros.
As letras desenhadas e pintadas com cor por Tayná carregam imagens da infância, da família, do amor visto por uma mulher de pele negra, o toque, uma planta que busca caber num vaso novo, uma carta não aberta, os dias da semana e os meses, a falta da falta. Na tentativa de deixar alguém ir ou um poema vir, ela faz nascer um mar, e nessas ondas de letras, palavras, frases e imagens é possível mergulhar nas profundezas poéticas dessa mulher. Durante o mergulho, em que você está prestes a embarcar, é possível sentir cheiro, gosto, calafrio, as extremidades da corpa se encharcam de suor pela catarse, dá pra ver poesia nas entrelinhas das estrelinhas do universo que a autora é.
O mar, tão presente, pintando ondas em nossas cabeças, nos provoca a rememorar lembranças de outrora. Ler este livro é tomar um caldo de uma onda do passado à beira-mar.
“Como seria você no mar?”
Dá vontade de cantar a musicalidade desse conjunto de palavras, um ecossistema de letrinhas que formam uma fauna/flora de sensações e imagens. Este livro pulsa de Tayná a partir do seu ori, sua memória, sua pele, seu sangue, seu picumã, seu peito, seu sexo, seu gênero, sua potência, sua fragilidade, sua ancestralidade, sua relação com o mundo. Como ela mesma diz: “um poema que escrevo em pé/para que todo o corpo vire palavra/para que eu não volte a me separar do meu corpo/para que eu acredite”.
A cor da letra de Tayná foi pintada neste livro-moldura e deve ser pendurada em seus olhos para lá enfeitar. Presentear as suas ideias com um livro de poemas que acabou de chegar ao seu destino.
Vista suas roupas de banho e bom mergulho!
por Amora Tito