Em determinado momento, Juliana Blasina lista medos que toda mulher conhece intimamente. Começo a escrever este breve texto com medo, confesso. De não estar à altura do livro de Juliana.
O que a autora faz em Toracotomia caseira é algo extraordinariamente novo, embora ela não deixe de convocar escritoras que vieram antes, como Adélia Prado, Cecília Meireles, Virginia Woolf, Natasha Felix, Adelaide Ivánova (essas duas últimas, suas contemporâneas).
É uma multidão, este livro.
Precisamos abrir bem os olhos para ouvir, com todos os sentidos, o que até um poema de título despretensioso como “Masterchef” tem a dizer: “Esmagar os grumos:/colher de pau contra o aço inox/não requer perícias ancestrais”.
Às imagens precisas somam-se construções movediças, que te derrubam, e, antes que você se reestabeleça, está em queda novamente — não vemos aqui o corpo no chão, mas o ato de cair, o desabamento, o corpo em ruínas, que ora se coisifica (“fundir-se à ruína da casa”), ora sente: medo e tudo o mais que atravessa a mulher, sempre ela, como a mão que rasga o peito, os dedos tocando as vísceras (“Abrir o peito com as mãos/esse espaçador sem aço”).
É com essa poesia corpórea, sensorial, que Juliana fala sobre, para e ao lado de suas iguais, de suas irmãs. Sem, claramente, esperar legitimação ou se submeter a padrões. A autora rompe com modelos na medida em que constrói uma escrita potente sem recorrer a armadilhas que não as do próprio jogo poético.
São uma multidão, suas palavras.