O que será o homem? é a indagação que serve de guia a Terra dos homens, livro de estreia do multiartista, pesquisador e sociólogo Vítor Medeiros.
Os poemas exploram uma outra masculinidade. Na terra habitada pelos homens do livro, a delicadeza do gesto e a força do desejo se contrapõem à violência orgulhosa e viciante dos homens que fazem a guerra e destroem a Terra.
É prazeroso encontrar nesta leitura o apogeu do encontro entre dois homens. O amor não sucumbe diante das frustrações, culpas e violências que marcam a vida das pessoas transviadas. E nisso está um acerto na costura dos poemas. A escolha do autor prima por realizar um ato de afirmação da liberdade de amar. Trata-se de restituir a verdade das experiências homoafetivas: a beleza também existe no regozijo de dois homens amantes.
A exploração dessas experiências é dotada de uma forte carga homoerótica, cuja potência é amplificada pela construção de alegorias fincadas na natureza, no mundo rural e na religiosidade. Dos universos que marcaram sua experiência no mundo — a roça, o campo e a igreja —, Vítor extrai com habilidade, erudição e ousadia os elementos líricos mais potentes da tradução de suas experiências eróticas.
Com profundo conhecimento da tradição judaico-cristã, Vítor recorre ao imaginário religioso para reestabelecer o que há de mais sagrado: a realização do amor, a comunhão entre os seres, e a partilha de um sentido comum de vida que lhes confere a existência. E onde haveria culpa, há deleite. Onde haveria heresia, há cumplicidade. Em tempos como o de hoje, nos quais a imagem de Deus é vulgarizada por comerciantes da fé, políticos mercenários e homens de bens, a operação realizada nos poemas ecoa como um verdadeiro ato de subversão.
A afirmação da liberdade se desdobra em ato de rememoração na parte final do livro. Revisitando personagens mitológicos, bíblicos e da literatura, Vítor nos faz lembrar da antiguidade dos amores homoafetivos. Estão lá: a lealdade entre Pátroclo e Aquiles, o beijo de Davi e Jônatas, a conquista de Heféstion por Alexandre, o medo de David por Giovanni, o amor-amigo de Riobaldo e Diadorim. Esse exame das origens se encerra com a revisitação das memórias pessoais da infância, da relação familiar e da vida doméstica.
A leitura do livro nos convida à coragem de erguer os olhos e fazer do prazer uma prece. Ao leitor atento será difícil resistir à tentação de, finalmente, abraçar o pecado com amor.
Lucas Gariani