A lua fantasma

Disponibilidade: Brasil

Em algum tempo no passado, se eu tivesse morrido, meu irmão teria escondido meu corpo, não iria me salvar, mas fazer parecer acidente. Era isso mesmo que ele pensava?
Uma hélice girando muito forte, zunindo, a força centrípeta atirando pedriscos, terra, grama em um terreno que se corta muito rente. Ele só consegue se lembrar de algo esquecido, guardado a sete palmos de matéria orgânica recalcada e que retorna, como um sonho ruim, de arqueólogo.

R$52,00

_sobre este livro

A primeira vez que vi Marcio Markendorf foi no início dos anos 2000, começando a faculdade… Era uma criatura rara, linda, enigmática, sobretudo apaixonante. Reencontro-me com ele, mais precisamente com seu verbo-afeto, duas décadas depois, unindo as duas pontas de nossas vidas literárias. E, neste lado de cá do tempo, seu livro de contos A lua fantasma, um hino de oblação a Caio F., demonstra exímio trabalho com as palavras, labor que em cada uma das narrativas deixa impressos os engendramentos operacionais dos afetos, melhor, dos afetos-outros, aqueles considerados socialmente inadequados.

Esses afetos geram sujeitos inconvenientes. E para tratar deles o autor lança (ou dá a) mão para outros, i.e., por debaixo da terra das palavras deste conjunto de textos, é possível vislumbrar, além de Caio F., Kafka, Raduan, textos sagrados judaico-cristãos, tragédia grega, muitos filmes, elementos onírico-insólitos e, claro, a vida acontecendo.

Marcio, com erudição — não aquela que afugenta o leitor, mas pelo pacto que mantém com a palavra —, trata do ordinário cotidiano: a iniciação do amor adolescente se inclinando a um corpo-outro-igual, como se observa em “O dia em que vi o cometa Halley passar”, “Lá, na cidade pecuária”. Ou ainda, as relações efêmeras entre homens (“Cicatrizes” e “Animais noturnos”); homens que amam garotos (“O pinguim”); amores gays (im)possíveis (“A lua fantasma”). Em linhas gerais, pergunta: pode doer o amor?

Em cada conto, o leitor não passa incólume aos eventos e às personagens, mas torna-se cúmplice de cada uma delas, seja por identificação ou sentimento de outridade; é convidado a penetrar o mundo das palavras e ver o outro, a dor do outro — o verbo-dor —, e, nesse gesto, ver a si mesmo nos solavancos da vida, nos caminhos sinuosos, nas tentativas de (auto)afetos, nas tragédias às quais todos estão submetidos; daí que o autor, num claro intento de não ferir mais ninguém, não manchar mais nossos olhos com mágoas e desafetos, tece, como as abelhas o fazem, um verbo doce e delicado, sem, contudo, nos sonegar a verdade do mundo. Em outras palavras, é a delicadeza inscrita no horror.

A lua fantasma perpetrado pela voz poético-narratológica de Marcio Markendorf, talvez, esteja indicando uma saída, uma fresta, outro caminho na contramão da hegemonia… Para descobrirmos outras vivências sociais — a educação pelos afetos — e, assim, escaparmos de caçadores sanguinários e vivermos como os leões: em comunidade.

Flávio Adriano Nantes

verão de 2023

_outras informações

isbn: 978-65-87938-86-8
idioma: português
encadernação: brochura
formato: 11,5x18 cm
páginas: 164 páginas
papel polén 90g
ano de edição: 2023
edição: 1ª

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