_sobre este livro
Este jeito de usar as palavras ruidosas exige um atencionar não domesticado do corpo, seja do que escreve, seja do que reescreve através do cuidado que chamamos de leitura. Pegue seus olhos pelas pernas e caminhe por estes encantamentos, colocando reparo nas intenções que montam os equívocos e os encontros que Cintia Luando nos coloca, ao observar lucidamente as contradições ancestrais – ou os mitos herdados – expostas nos traços mais involuntários que sustentam as nossas imagens de amor, de solidão, de gozo, de dor… Enfim, disso que penso que é o estar em revolução contínua.
Luando mostra destreza pertinente a quem olha a poesia como esforço, como forma digna de diálogo entre amigas/os, sejam conhecidas/os ou não. Ao coser a beleza com confiança na coragem das próprias palavras e do cheiro próprio das imagens, a autora evidencia os nervos das suas raízes, o tutano das suas referências, ou seja, sua capacidade de sustentar a força latina que sua voz traz ao mundo.
A poeta de sobre a tríade dos ruídos respeita o tempo de observar a política dos gestos que compõe o movimento de se abrir uma janela. Sabe, também, ajustar a respiração para quando anda entre árvores ou entre facas. Desconfia que, para se manter mamífera em tempos de matemáticos, seja necessário um ritmo atordoante de profunda vigília, de bicho atento às ciladas que os conceitos estabelecem aos braços e aos pulmões.
Mas, no fundo, por que precisamos de mamíferas em tempos de matemáticos? Sem dúvidas, a autora compreende bem essa pergunta e joga com ela, como no poema a paixão cachorra, em que afirma um modo de estar nas relações que pressuponha a renovação da cultura: um desfazer-se na carne do outro / e ser ainda mais inteiro / depois do outro.
Sinto que Cintia Luando, com esta carta geoafetiva do dentro, nos introduz às possibilidades de outras audições das fraturas, das continuidades e dos ruídos que nos atravessam mesmo quando estamos olhando por outras pistas. Ela, só, nos avisa, com sua florestania, que a poesia que fazemos no cotidiano cria o cotidiano que vivemos, para que, com isso, possamos escolher se adormeceremos nossa ligeireza ao som de mentiras santas ou se faremos qualquer outra escolha.
Victor Prado