há um santinho bem gasto
tinta estalada e fenda quebrada a meio
com o menino ao colo
fica de lado sobre a cabeceira
nunca ninguém lhe reza
nem lhe dá graças por melhores dias
sempre deitado no mármore
quieto sem nome nem milagre
não sabem
mas a avó é que o beijava
todas as noites antes do sono
e essa é ainda a bênção
que guarda aquela casa
(dia 8, página 9)
R$50,00
_sobre este livro
Para a Leonor e a sua Silvina.
Em cada poema de Leonor, há uma casa num Sul pouco árido mas húmido e fresco. A frescura é tão velhaca que está sempre presente e à espreita pelo ombro, tal como a morte. Como uma erva daninha numa parede de betão? Sim, como uma erva daninha numa parede de betão. À entrada, ela diz, poisem a cabeça neste varandim e olhem para a pombinha morta, e nós olhamos, mas é como se a pombinha fosse voar a qualquer momento. A pombinha está morta? Silvina desorganiza-nos; é uma selvajaria de ruas, flores e chochos gordos que enchem os lábios de ternura. Se há uma casa, há alicerces tortos e açucarados como a seiva de algumas árvores e pelo caminho;
golfadas de silêncio absolutas como poças de ar
Encontram-se becos sem saída e angústias. A poesia é angústia. Nesse silêncio dos lugares que já conhecemos, julgamos perder a sensibilidade. Não queremos um Alentejo moderno mas um Alentejo sem modernices e pejado de léxico vintage; queremos inhas, inhos, itos e itas. Cacofonia e açúcar. Não sabendo se a pombinha se encontra viva ou morta, temos sempre para onde nos virar, e há sempre uma janela na poesia Silvina. A Natureza, obviamente, é o que vemos dessa janela para nos aliviar do burburinho dessa angústia. À mesa erguemos chávenas e praticamos o tilintar à burguesia, mas a falhada. Pode a burguesia ser outra coisa que não falhada? E, se há sempre um santo em casa de alguém, estalado, mofento e com bafio nas brechas, também há sempre um santinho na poesia de Leonor. Estamos de saída mas ainda queremos soprar milagres. Silvina, minha querida, penso nela todos os dias. Sopramos, não acontece nada, só a sombra que as pedras fazem nos pequenos círculos de relva fria é que parece aumentar. Ah! É verdade, dizem que os milagres não existem, mas Leonor diz muitas coisas, e eu digo esta, há luz na sombra, que cliché tão cheiinho de verité.
Rafaela Jacinto
_outras informações
isbn: 978-65-5900-683-0
poesia portuguesa
idioma: português
encadernação: brochura
formato: 13x16,5 cm
páginas: 72 páginas
papel polén 90g
ano de edição: 2024
edição: 1ª