Poesia se mata com tiro é um livro de coragem. Demonstração da força e potência da palavra frente aos discursos que empesteiam os dias. Afinal, “os covardes não leem poesia porque/temem que ela os denuncie, revele”. A partir de um exame de diferentes manifestações artísticas e de cenas de um Brasil pandêmico e brutal, a poesia de Sidnei Xavier dos Santos traz um empuxo de forças, um convite contra a apatia e a resignação.
Na primeira parte, “Poemas com Figuras”, a poesia examina, diante da fotografia, diante das marcas do corpo, dos primeiros amores, do erótico, a mão que escreve e cria. A procura “por aqueles que transponham o abismo”. Uma resposta poética a trabalhos tão distintos nas artes plásticas, como as fotografias de Man Ray e Jason Bard Yarmosky, as pinturas de Cícero Dias, Frida Kahlo e Tarsila do Amaral. Essa investigação dá continuidade ao projeto de escrita do autor — sua novela A linha augusta do campo foi publicada com imagens do fotógrafo Cídio Martins (Quelônio, 2020), obra finalista do Prêmio São Paulo de Literatura.
Essa primeira seção termina com “Riscos sobre a Terra Plana”, conjunto de poemas que expõe, pela ausência de menções explícitas (afinal, no contexto da publicação, é desnecessário explicar a inumana era bolsonarista), um cotidiano arrastado por uma crise democrática e contaminado pela melancolia pandêmica — “o que há é o silêncio dos mortos”.
A segunda parte, que dá origem ao título do livro, arma-nos de uma lírica capaz de refletir sobre a violência dos discursos cotidianos em que estamos agora imersos. Um antídoto à complacência resignada dos dias. É formada por conjuntos de poemas: “Poesia com afeto para dias de ódio”, “Velório das Musas” e “Tudo que mata é prosaico”. Visitamos retratos de um território em que a vida vale pouco e a precariedade neoliberal nos engolfa, “compro uma dívida, uma xícara/e compro com bônus/um voto/e uma vida”, tudo isso com um dólar. Uma nota de sabedoria soa em “não há poema nos dias/que vencem os boletos,/por isso a poesia é rara”. O volume se encerra com uma bonita imagem de abertura: livros abertos sendo janelas.
É isto que Sidnei Xavier dos Santos nos oferece, uma janela, um respiro. Estudioso de literatura, doutor em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo, o poeta nos oferece agora palavras de encorajamento. E, como é sabido, a sorte sempre favorece a coragem.
Ana Rüsche