Afrotopia, deambulações, coroas e o Atlântico Negro
(Cartas do Atlântico Negro)
Meses depois de Bruna deixar Porto [pt], de turbante na cabeça, cabelo-coroa, terra fértil, gestante, nascida e renascida entre águas ancestrais, dororidade e grito.
Meses depois dos encontros-colo das terças-feiras do Chá das Pretas. Meses depois da última tarde que passamos juntas, flanando pelas ruas da cidade, como Bruna gostava de fazer, recebi uma carta, email de Bruna, mulher negra periférica mãe solteira. Bruna escritora, que conheci antes de conhecer a mulher, hoje minha irmã.
Bruna, que tece as palavras uma a uma com a delicadeza de uma artesã de tempos imemoráveis, uma artesã das palavras, do gesto, do movimento da escrita que nos guia pelo caminho das ruínas, do mármore branco asséptico de Brasília, do quotidiano de uma mãe e sua filha aprendendo o mundo, sorvendo cada dia, cada detalhe com espanto. Artesã-poeta das ilusões, dos retratos gastos esquecidos a um canto, nos guia pelos mangais plantando sementes-sonhos, utopias e revoluções pelo caminho.
Bruna, que viu a europa em chamas e brindou, a velha europa, indefensável europa, sussurrou-me Césaire e Fanon, abriu-me ao universo de Carolina Maria de Jesus e de Elza.
Em cabelo, performance coletiva que apresentamos em junho de 2017 no Porto, renascida entre irmãs, numa tarde de verão cinzenta e abafada, Bruna viu ao espelho uma mulher forte, decidida, uma mulher que não leva desaforo pra casa e essa mulher era eu, disse, certa de seus passos.
Minha irmã, renascemos juntas naquelas tardes.
A tecnologia dos afetos é ancestral, Kabu Verdi e Brasil, afrotopias e imaginação como potência de um (afro)futuro.
Abraço-te e ao teu primeiro livro de poemas, aos teus poemas retangulares, dando continuidade às nossas trocas, grata e honrada pela confiança e o carinho.
Para que a palavra signifique e que possa transfor-mar, as que vieram antes, as/que estamos, as que virão.
Melissa Rodrigues