O que o leitor tem em mãos é um livro com poemas de amor e tesão. Um livro romântico e sexy. Um livro que me lembrou uma história que a Deise, minha esposa, me contou: antes dela me encontrar, quando estava solteira à procura de alguém, ela se maquiava com sombra azul até quando ia à farmácia, arrumava o cabelo e punha roupa bonita como quem vai a uma festa, porque podia ser que de repente encontrasse aquela que seria seu amor. O amor é um ato de fé. Tem a força de uma tempestade e move montanhas. É lindo, brega e libertador. Ele motivou a escrita da maior parte dos livros e das canções que existem. “Desconfio que todos sejam no fundo um pouco cafonas”, diz um dos poemas de João Pedro Cerdeira — somos, e amamos o amor e a pessoa amada, a coisa em si, o ato e o objeto, que se fundem em nós e nos lançam para experiências fundadoras de novos mundos: “costuro um novo verso/aguardando teu regresso”. Forjador de vozes, o amor se multiplica em desejos nos poemas de João Pedro Cerdeira: um eu de versos livres, um eu métrico, amante de música e forma, um eu “inventando formas/fáceis/formulando fábulas/avessas”, um eu barbie girl de barba hipster, um eu que tem um aluno (poderia ser um filho) “que perguntou/se um dia também poderia/escrever um livro”, um eu que realiza seus desejos de corpo e encontro, lê o corpo do outro e se deixa ser lido até o gozo (“unidos por enigma/num sintagma corporal”), que se pergunta sobre a duração do amor, um eu just like marie antoinette, um eu amante, a amar como quer e a habitar o amor, como na canção de Johnny Hooker.
Pelos teus pelos é um livro solar como o amante solar, figurado em vários poemas: rapaz-carnaval de pele-pétala, lugar de festa e descanso. Os eus dos poemas de João Pedro Cerdeira passeiam por um jardim do Éden onde “frésias e falos farfalham/firmes por campos e falésias”, “adão dorme, o corpo melado,/pelas flores da angiosperma/pelo esperma dos anjos”. Nele, amores machos inventam “uma gramática/para o futuro”, “uma área”, “um país/para viver junto/pra estar perto, ter corpo/e inventar memórias”.
Este livro é também uma prova de amor à escrita e a autoras como, Ana Cristina Cesar e Paloma Vidal. O poema “eu espero portuário/como só se pode ser num poema/você atracar em mim/feito navio” e o trecho “‘não é fácil formar frases/com a palavra amor’” aludem, ambos, ao labor poético e à disciplina da busca pela afinação desejada. Pela palavra que cabe e pelo não dito que tanto diz.
Ana Cláudia Romano Ribeiro