bilhete (na orelha) para leitores
Marina,
Compartilho do interesse pelo começo das coisas. Mas acabo me perdendo no meio. Isso de começar e não terminar — de escrever e ler — também me confunde. É mesa posta de um só lado. Do outro, já não é a mesma cidade. Insisto em algo, automatizo. E de repente olho para o lado, a janela recortada pela cortina e vento… anoitece. Para você já é outro dia: recomeço.
Durante esses meses fiquei muito interessado pela sua obra, apaixonado mesmo. Não pude evitar, não quis. Eu gostava de ler e encaminhar para pessoas próximas, às vezes arriscava te escrever qualquer linha. E então vivemos nossa parceria de silêncio e som com fotos e poesia publicadas como diário (para não surtar durante o tempo de isolamento). Perdi a conta de quantas peças avulsas tivemos depois. Canções que nunca acabam. O convite. A carta. Tudo que não terminou teve um começo. E no começo era só o começo mesmo, estávamos certos de uma experiência bem-nutrida apenas por existir. Como esses barcos que descem pelo rio até o mar, são tão pequeninos! Não sei onde vão atracar. Por que estou falando de mim e revelando coisas tão pessoais?
(Não há nada de pessoal aqui.)
Não sou poeta e não poderia mentir (melhor) para leitores.
Orelhas são quase exteriores (mas gosto de pensar que esta mensagem vai abraçar o livro). Quem abrir esses “braços” (com as mãos, para entrar) vai se entrelaçar ao seu jogo. Você disse ali dentro que escreve para perder. Eu acredito que perder é o que a gente aprende quando fotografa. Você atirou as letras de um abismo para contemplar um verso no vazio? E ele se foi todo em fragmentos? Eu gostaria de encontrá-los e perdê-los. Isto é, fotografar o poema. Fazer um retrato como John Cage faria, com muito espaço, em que tudo seria de importância descontraída e sem precisar deixar algo definitivo.
Pedaços de papel que dobramos e deixamos debaixo da porta ou numa mesa. Bilhetes são coisas que a gente escreve para não esquecer. Da mensagem curta ou enigmática. Mas do bilhete, lembramos? Bilhete da sorte, loteria. Para pegar um trem ou ônibus. Para entrar num museu. Para andar na montanha-russa. Para jogar. É algo que se carrega com certa simplicidade, é um gesto econômico para se entregar de mão em mão. É também um segredo.
Eu leio e sinto que estou quase no lugar de onde você escreve: memória ou sonho? E penso que você está não acabando de dizer — palavra-pensamento, quando rápida: não é tentativa, é aposta.
— entre analogias e virtualidades —
Aqui está.
Mauro Figa