Em Para alguém escutar no futuro, Karen Debértolis cria uma poesia-promessa para o tempo, um convite feito tanto para o instante quanto para o porvir. Em cada linha, estabelece um compromisso radical com quem já está e com quem ainda virá. Se irmana ao que escrevem Luiz Rufino — “palavra é corpo ofertado ao tempo” — e Leda Maria Martins — “a palavra se inscreve no corpo, na memória, no tempo”.
Aqui, a escrita parece ser uma prática transtemporal, na qual cada poema dialoga com o futuro, o presente e o passado simultaneamente. A poeta investiga o cotidiano de forma sensível e crítica, atribuindo ao aparente “pequeno” uma profundidade que o transforma em possibilidade de reflexão. Ela questiona, com o desvelo de quem escuta o mundo ao redor: “de onde brotam estas palavras miúdas?”. Questões políticas e sociais entrelaçam-se ao tecido poético, conferindo ao tempo presente contornos de fúria, indignação e afeto coletivos. Como ela expressa, “há anos disfarço a intensa lucidez com as tarefas do dia a dia” — uma escrita que não se esconde na rotina, mas emerge dela.
Composto em três movimentos, o livro convida a leitora a se mover junto com a poesia, que percorre despedidas, ausências e sonhos. Para a autora, o silêncio não é vazio e parece ser uma ação importante no trabalho com as palavras. Ao escrever “eu preciso de silêncio”, ela nos apresenta, da mesma forma, uma questão: como realizar uma real escuta — neste e em outros tempos? O silêncio é como um elo que liga o presente e o porvir, também sendo ofertado, ele mesmo, ao futuro.
Nesta obra, os versos abraçam a vida em sua transitoriedade, como ao afirmar: “não há nenhum deus na despedida”. Eles não procuram divindades ou certezas — ao contrário, acolhem a impermanência e o fluxo das existências: “não há o que cicatrize o corte profundo na carne viva”, lemos.
Esta publicação é, então, muito mais do que uma reunião de poemas e prosas poéticas: é um chamado para resgatar a escuta em meio às pressas e distrações da vida cotidiana, para que possamos encontrar a poesia nas minúcias e complexidades do dia a dia. Karen Debértolis nos convida a um espaço onde a escrita é um ato de afeto profundo pelo tempo e pelos outros — e pelo tempo dos outros. É um livro que nos lembra, a cada página, que a poesia pode ser o lugar onde é possível — verdadeiramente — imaginar: para alguém escutar no futuro.
Francisco Mallmann