Território e descendência marcam Papuã: todos os nossos agoras, de Janaína Perotto. As narrativas são inspiradas em acontecimentos vividos ou entreouvidos no seio ítalo-brasileiro da família paterna, radicada nas profundezas do Oeste de Santa Catarina. Esse cenário protagoniza a dinâmica de uma comunidade na fala de personagens ligados por parentesco. Suas inquietações, porém, não são ficção, e se fazem vivas, ainda hoje, na região submetida ao apagamento do passado, ao destruidor avanço do agronegócio, à persistente precariedade dos povos originários — herdeiros caboclos vitimados pela presença imposta dos imigrantes de pele branca.
A Guerra do Contestado, findada em 1916 com um saldo de morte de milhares, percorre lembranças de violência e perda, mas segue estrategicamente abafada pelos negociantes do capital. Os rastros desse conflito se espalham por histórias atualizadas aos tempos de hoje: a ambição agrária disputa o pedaço rural dos povoados, e o explora até alcançar a miséria ambiental e social do entorno.
Tocada pela obra de Natalia Ginzburg, escritora italiana celebrada por sua habilidade em unir vivências íntimas e cotidianas à grande dimensão histórica, Janaína tem a versatilidade de poucos, consegue dar a cada voz seu próprio tom; gerações distintas surgem nas páginas desta obra com peculiar maneira de se expressar. As rememorações da escritora, sua vivência na roça dos avós e tios, suas observações enquanto crescia, contribuem com repertório real às narrativas criadas para dar, enfim, visibilidade a uma parte do Brasil escondida sob o estereótipo do progresso e alegria sulistas.
Como uma conhecedora da contista, sei que, apesar das experiências próprias no Papuã, ela também se valeu de muita pesquisa. O resultado não só é verossímil, como belo, pois a palavra vinda em dialeto e a investigação histórica trazem mais verdade ao texto.
Mais um grande livro, com tema imprescindível, para nos abastecer de análise crítica, humanidade e encantamento pela escrita.
Dani Costa Russo