O humor é a chave de leitura para os poemas de Jorge de Barros, mas não se engane: ele não esconde os temas profundos e existenciais que permeiam o livro. Esse contraste talvez seja o “truque” sugerido já no título paradoxal, sonoro e metapoético: O mínimo desnecessário, que ao mesmo tempo desconcerta e arranca um riso sarcástico. O tom joco-sério domina a cena, como no poema “Trânsito paulistano”:“― Queria ver se tu, Oh! Magalhães,/circumnavegavas esta Praça Panamericana!” Aqui, o passado português encontra os problemas insolúveis das Américas em uma combinação que diverte e faz pensar. É um humor que amplia a percepção, comove e leva à reflexão.
A intertextualidade é outro elemento fundamental para a construção do sentido deste livro. Jorge de Barros dialoga com Fernando Pessoa, Cazuza, Bandeira, Herman Melville, Gonçalves Dias e outros, tecendo camadas de leitura que vão do literal ao simbólico. Em um caso emblemático, o poeta parece ecoar a resposta precisa — talvez de algum aluno — resgatada de sua experiência como professor de literatura: “Bandeira transformou um carregador de feira que morreu afogado em poesia”. Mas essa intertextualidade não se apresenta como um exercício de erudição; ao contrário, é fruto de vivência e convívio, cultivada em anos de sala de aula e da relação íntima com a poesia.
Outro eixo relevante são as dedicatórias a amigos e familiares, que acrescentam um tom afetivo à ironia e à crítica do conjunto. O inventário familiar aparece no poema “Floema” como uma “Árvore genealógica” viva, em que os parentes são o próprio líquido vital que atravessa gerações, dos avós aos pais, até o poeta. Ele, por sua vez, bombeia um “coração espremido” pelo peso dessa herança. O reconhecimento das origens — com referências a Mauá e Pernambuco — aparece de forma tocante em “Sinos”, um tributo ao pai, projetando uma cosmovisão poética constituída pelas memórias.
A relação com autores prediletos é marcante, especialmente Drummond, Bandeira e Mário de Andrade. Jorge ressignifica suas referências modernistas com um olhar atual, criando um horizonte de diálogo imediato com essa tradição. A escolha por poemas curtos e diretos, quase telegráficos, reforça essa aproximação, como no poema “Paisagem mineira”: “tanta igrejinha assim em cada canto que a gente/quase nunca se esquece de estar pecando…”. A leitura de O mínimo desnecessário é um convite à boa poesia brasileira contemporânea. Prepare-se, porque essa redondilha maior já vai começar.
Danilo Bueno