“O conjunto de doze contos perpassa sob uma teia, viva e transparente, que vai sendo urdida entre a realidade e a história, em período esparso, que decorrerá sensivelmente entre os primórdios do século XX e a actualidade. Uma teia que sempre esteve cá…
Irrompem, por vezes ferozes, muitas vezes, muitas vozes, apenas de uma imagem, de um cenário, de uma ação, ou, sobretudo, de uma personagem incontornável. (…) Este conjunto de contos revela-nos através das personagens, em geografias passadas ou presentes, em protagonistas inventados ou recriados, por um lado, os anseios e os seus temores, mas, também, os desejos e as esperanças, do íntimo das personagens — do mais profundo e arreigado íntimo da autora?
(…)
Poder-se-á, talvez, afirmar que a sua escrita, nesta obra em concreto, revela através da dicotomia espacial e temporal o ensaio de um modo de narração não linear que condensa o tempo (nomeadamente o seu, que se espalhará por três gerações). E procura fazê-lo, constantemente, através de uma articulação apoiada no sopro do sensível e do inteligível, para que possamos (possa ela também) ter uma melhor percepção e/ou entendimento do mundo, da humanidade, do verbo.
Mais do que uma escrita feminista, julgo estarmos perante uma escrita feminina, comprometida com a contenda por uma sociedade mais justa. Uma escrita em que os valores de humanidade que a voraz e trituradora sociedade contemporânea vai estilhaçando, esmagando e corroendo e onde a palavra, a literatura, a arte em geral, são um palco, mesmo que exíguo, frágil, de obrigatória intervenção (…).
Além disso, o caráter universal dos sentimentos das personagens, gerados por questões que continuam a ser “bem reais”, os conflitos de gerações ou de géneros (ainda hoje, a dualidade que subalterniza a mulher em relação ao homem nas sociedades contemporâneas é gritante e inadmissível), as ruturas familiares ou de amizade, a emigração (para fora do país, ou mesmo para dentro do próprio país, tão díspar ainda hoje, em ensejos e utopias) em busca da sobrevivência e da decência, a cruel e inaceitável rejeição daquele que “é diferente” (qualquer que seja a errónea ideia de diferença, mas, que perturbe e incomode os ignorantes) (…).
E, claro, de forma mais explícita ou não, a condição feminina, a eterna condição de ser mulher, ontem, hoje e no futuro, são tópicos fundamentais nesta interpelação da autora que, de forma plena e objectiva, pretende inquietar e fazer reagir não só o leitor, mas, creio, particularmente, a própria progenitora destes contos, deste verbo.”
João Rasteiro