Ao leitor que se aventurar neste livro de contos, saiba que não vai encontrar os temas que, em regra, vêm pautando uma certa literatura contemporânea que é festejada na mídia, na academia, nas redes sociais, nos festivais e congressos literários. Uma literatura que, de certa forma, parece preferir a exclamação do que a interrogação, que se orgulha em ser apenas mais uma ilustração ficcional das ideias que hoje são predominantes no horizonte cultural do que cumprir aquela que é uma das mais nobres funções da arte literária: plasmar o indizível. Ante essa literatura impregnada de certezas ideológicas, festejada e aplaudida, como, então, um jovem escritor não se deixaria seduzir pelo seu canto de sereia? O autor deste Maresia, Gilberto Clementino Neto, tal como fizera Ulisses, ouviu o canto das ideias dominantes, mas resistiu aos seus apelos. Resistência essa que o coloca ao lado de outros escritores que, ao longo da história da literatura, caminharam por trilhas diversas daquelas que eram então urgentes na sua contemporaneidade.
O fato é que o título que batiza este livro — Maresia — não diz respeito apenas ao movimento das águas, mas também ao cheiro forte, de peixe cru, ou mesmo de lama podre, advindo dessas águas. Se as marés representam o movimento e a provisoriedade das coisas, o aroma nauseante das suas águas é, por sua vez, uma bela metáfora do desconforto do nosso tempo. Afinal, há sempre algo de podre no reino da Dinamarca. Assim, entre abraçar os clichês que perpassam as poéticas da nossa contemporaneidade e explorar os silêncios que perpassam essas narrativas, Gilberto preferiu os silêncios. E falar dos silêncios é, no caso, falar daquilo que não se quer dizer, não se sabe dizer ou mesmo como se deve dizer. O silêncio é o que ficou emudecido quando se busca narrar sobre o medo do futuro, sobre a busca por uma felicidade idealizada e sempre inalcançável, sobre a difícil adaptação às situações mais absurdamente improváveis, sobre a permanente sensação de vazio existencial, sobre a busca por uma infância perdida… É isto que o leitor encontra neste livro: narrativas que declinam sobre o que os outros saberes não sabem dizer, sobre aquilo que não se vê, mas que vem impregnando o ar, como o cheiro podre das marés.
Anco Márcio Tenório Vieira