Máquina absurda, absolutamente patriarcal

Disponibilidade: Brasil

quando olho no espelho
essa cara torta decifrada
a cara pigmentada de alumínio
cimento branco e monóxido de carbono
nos meus braços
volto à fábrica
votorantim

R$52,00

_sobre este livro

A memória é quente, às vezes escaldante, nos pondo em risco de torrar a pele. É essa imagem-sensação-conceito-textura que nos entrega Paloma Palacio, em seu livro de estreia. Brincamos aqui com a dubiedade da entrega: por um lado, a autora constrói, com as mãos legadas por seu avô (“meu avô não queria me entregar/bonecas barbie remela gelecas massa/corrida no lugar, me deu/essas mãos”), uma obra poética carregada de referências da infância e da adolescência, vividas no subúrbio do Rio de Janeiro. São lugares (Irajá, Cascadura, o Shopping Carioca, a Rodoviária Novo Rio), elementos típicos (“acima de tudo os telhados/de zinco carcaças pupilas/as pipas/um amontoado de bicicletas tábuas/desplegadas/de civilizações passadas”), pessoas (a avó, o avô, o colega de escola Pedro), a própria percepção do tempo a passar (“do avesso/uma camiseta estirada/contra o vento/no varal/fazia pensar em//caminhadas/ainda que fosse dia/era tarde/avançava/no quintal, as lamparinas”). A outra dimensão da entrega é mais sutil: aos poucos, discretamente, vai surgindo uma figura de mulher do concreto dos edifícios, dos sinais de trânsito, das placas, da tepidez dos bairros suburbanos. São as coisas — palpáveis, por vezes pontiagudas e cortantes — que entregam a menina-mulher (“Not a girl, not yet a woman”) do passado ao presente. Seria esse livro um coming of age? A propósito, não faltam acenos ao universo cinematográfico. Aparecem filmes do coreano Hong Sang-soo, do iraniano Abbas Kiarostami e, ainda, insuspeitadamente, um curta-metragem da própria autora baseado no conto “Preciosidade”, de Clarice Lispector. Há também referências a obras literárias (Golgona Anghel, Prisca Agustoni, Ana Cristina Cesar), à cultura pop (Britney Spears, Verão mtv, Felipe Dylon) e à história do Brasil (“são eles ainda que me batem/quatrocentos e trinta e quatro vezes os nomes em fitas/cassetes: desaparecidos ou mais/datilografados”), que ajudam a desenhar a “máquina absurda absolutamente patriarcal” que mói as vidas de mulheres e homens nas entrelinhas. Mas nem tudo está perdido: ao mesmo tempo em que a máquina se apresenta, a mulher que se torna cria o seu próprio mundo, a sua própria vida. Resiste, portanto. Não por ser feita de “alumínio/cimento branco e monóxido de carbono”, mas por reconhecer a fragilidade de seu corpo, que deve calçar os sapatos para evitar os fios.

Liana Salles Monteiro

 

 

_outras informações

isbn: 978-65-5900-465-2
idioma: português
encadernação: brochura
formato: 14x19,5 cm
páginas: 100 páginas
papel polén 90g
ano de edição: 2023
edição: 1ª

Carrinho

Cart is empty

Subtotal
R$0.00
0