Fazer um poema que desarrume a própria cabeleira
e quebre nas nossas cabeças
como uma boa arrebentação
E, assim, Joana quebra silêncios, feito onda de mar cheio indo bater à beira d’água em arrecifes, puxando conversas que não tivemos ali na hora, no despontar dos dias, mas que criamos na ponta da língua pra inventar o amor, o desejo e as palavras que não nos foram ensinados na escola, na novela, nos banhos de mar aos domingos, pra dar forma, significante e significado aos nomes que nos calaram, pois nós temos nome, nos amamos mutuamente, e, sim, aparecemos pra almoçar, sempre apareceremos.
A poesia de Joana, esse gosto de mar, essa areia nos dentes, os cabelos emaranhados de sal. Joana nos faz sentir saudades de casa, o cheiro de cuscuz no nariz dia após dia, cajueiros, coentro picado na cozinha que da sala a gente já sente o prenúncio, fronteiras de rio e todo aquele litoral guardado em seus versos como quem faz água e cospe-fogo pra não queimar a própria língua, ou pelo menos deixá-la a ponto de forja, como quando o ferro dobra pra virar outra música qualquer, aquela alegria quente do vermelho, destrezas de mãos pretas que um dia nos ensinaram a fazer essa mandinga que é viver de sorriso no rosto dia sim dia não, mas aprender a sorrir afinal, e aprendemos.
Nossas pernas ficariam mais fortes se tivessem antes caminhado por essas letras, mas serão ainda fortificadas e realinhadas quando não houver mais a vigília forçada dos olhos, que eles fechem quando bem entenderem e abram em dias ímpares ou pares é o recado que Joana nos dá: o corpo solto, os nomes dos pássaros livres. Pois assim renasceremos em contínuo caminho daquelas pernas que, se um dia fraquejaram, foi pra conservar força pra mais tarde, pra gente que viria depois em seu encalço com o presente de guardar memórias e aspirações do passado em nossos lábios que hoje cantam.
Vida longa, axé e caminhos abertos às palavras de Joana que nos oferendam tudo isso e mais em troca. Às nossas, que cantem muitas histórias, que gritem aos quatro cantos nossos nomes e costumes, alegrias e desditas, a lembrança da areia que trazemos nos pés de volta da praia, a terra que carregamos por dentro do peito e nossas águas: que jamais esqueçamos delas, que elas se encontrem mareando em nossos ouvidos muito tempo ainda. Joana Côrtes
Cecília Floresta