“Istmo: 1 (geografia), estreita faixa de terra que liga uma península ao continente; 2 (anatomia), estreitamento que conecta duas partes de um órgão”. No mesmo dicionário, descubro que o termo deriva do grego, isthmós, “lugar por onde se vai”. Ao fim da busca, lá por quinze pra uma da manhã, a atenção flutuando entre sono e vigília, navegando a esmo em páginas de definições informais, uma imagem me deslumbra:
Istmo é uma “língua de terra apertada.”
É como sinto este livro de estreia de Nathália Lima, cujo título me conduziu à pesquisa descrita acima. Num vocabulário que se sustém em “terra estreita”, os poemas aqui anunciam pela palavra o que escapa à palavra. Surge na leitura a impressão de estarmos caminhando em solo pouco; nós e nossos pés escassos, à deriva.
Istmo é um convite a que abracemos a errância, o passo em falso, a queda e a vertigem como modo de ser da poesia, como lugarejo onde o próprio dizer testemunha uma ferida que está fora da língua — corte sem batismo, “selo escorregadio”, “uivo” nascido no corpo, na coisa viva. Esse é o chamado de Nathália, e ela o faz com o raro domínio de recursos expressivos que só se vê na grande poesia, com plena liberdade quanto a se movimentar pelas imagens e sons, intercalando fluidez e corte.
Temos em mãos um livro de interstícios, do que se tateia nas divisas, entre “escamas, velas, sinos trincados”. Atravessá-lo é aprender a falar um “palavreado apertado”, compreender que há rios que se deixam antever mesmo em “terra seca”. É sobretudo descobrir que “o mar esconde epígrafes”, e que talvez seja possível lê-las nas ruínas de cada litoral, nos despojos sobre a areia — tapete de cascalhos, de moluscos. De pedras e perdas.
Um “peixe sem título” nos arrasta pela garganta nestas páginas. Através do animal fugidio, a poeta indica que poema e corpo se singram mutuamente, do que se depreende então uma marca. Uma cicatriz que canta.
Mar Becker