Sem aviso prévio, ficamos presos em casa. De uma hora para outra, a rotina mudou, a cidade se esvaziou, o tempo estagnou. Mas não o tempo da poesia. Insta fantasma, de Gabriel Morais Medeiros, é um mergulho no limiar do tempo. Ao longo da coletânea, percorremos desde a capital do Império Asteca, a “Tenochtitlán inexpugnável”, até o “print-screen do zoom”. Da origem do universo em Popol Vuh chegamos igualmente ao “fim do mundo em lives”. A era da internet, porém, tampouco escapa do prazo de validade, como nos adverte o poema: “o colapso dos fóruns/internet dos noventa/morreram há tanto tempo/domínios angelfire, cjb”. No entanto, e o registro das selfies? É possível ludibriar o esquecimento da morte com a captura de um instante passageiro? Num tom provocante, respondem os versos: “variação de epicuro/filtro de selfie/a morte não existe/nem sequer quando morres”.
Se a marca do tempo perpassa a poesia de Gabriel Medeiros, a sobreposição de diferentes imagens também caracteriza a verve criativa do poeta. Numa aproximação atilada, a pandemia é aqui comparada ao submundo da prostituição. Os versos “proibiram/a abertura do câmpus/durante a praga devastadora em tua cidade” vêm logo acompanhados das seguintes estrofes: “geralmente me prostituía nos domingos à noite/nos banheiros subterrâneos, longe/da fiscalização das seguranças inteligentes,/longe dos dispositivos de ronda-/noturna/dos radares sincronizados”. O isolamento tão temido pelas pessoas é a rotina das prostitutas. Em lugares desertos, às escondidas, precisam furtar-se do olhar perscrutador do outro.
Essa força imagética revela-se ainda em outros tantos momentos da coletânea, como nos versos: “quirguistão/sob bombardeio/intacta a rampa/do drive-thru”. Tema recorrente dos poemas de Insta fantasma, a devastação é colocada diante da realidade do leitor. No cotidiano pandêmico, a internet, antes um refúgio da solidão, apresenta-se como um espaço vazio, onde figuram somente desconhecidos: “amealhar seguidores/te será uma opção/o usuário fantasma/contra o robô, semifinal”. Tal como indicado no título, este livro lidará com fantasmas: o fantasma das cidades desabitadas, do mundo virtual, ou, a cargo da interpretação do leitor, o fantasma de cada sujeito. Todavia, em meio ao caos que nos cerca, a poesia de Gabriel Medeiros oferece uma alternativa. Num dos poemas, o eu lírico sugere: “fã subscrito/ganhei o sorteio/para um date com ela/propus ficarmos, não fugirmos”. Fiquemos, leitor, e enfrentemos nossos fantasmas.
Thaís Soranzo