O poeta é um ser híbrido, mãos de sátiro, anuncia o primeiro poema. Até onde isso pode ir? O que há de humano em um ser dessa natureza? Provavelmente o gosto pela poesia radical. Que não é satírica. É guerrilha linguística, moral, ética e estética. Será lido mais adiante, o autor é vários. E conhece o percurso de se desnudar.
O livro são poemas que permitem diversas leituras, estilo caracterizado pela expressão literária contemporânea. O texto não tem definição de voz do autor, mesmo utilizando-se, às vezes, o pronome “eu”. A leitura compõe o sentido, por meio da sensorialidade e da plasticidade do texto, que não tem pontuação nem letras maiúsculas. O texto se torna introspectivo, particularmente lúdico. Trata-se de um autor sensorial, intérprete dos afetos que fluem dentro dele e afluem da sociedade aflita.
Um bichinho de pelúcia, o conforto da finitude, o alter ego amante são categorias poéticas permeáveis ao naipe existencial, tanto quanto são a compaixão provocada pelos sinais da guerra na catedral de Colônia, a xícara trincada, o marlim cuspido pelo oceano, a mulher transformada em falésia, as flores secas amanhecidas no despertar atemporal. Essa temática diversa é, contudo, coesa.
Pois igualmente existencial é a irregularidade nas métricas (como em sete para as nove), na sintaxe, na extensão dos versos, nas formas dos sonetos. Ainda que irreverente, a poesia é um sério fazer, o que é sério pode ser grotesco, o que é grotesco pode ser lúdico, o que é lúdico pode ser sensual, o que é sensual pode ser inquietante, o que é inquietante é poesia.
Aristotélico na ética de se comprometer com o leitor, platônico no exílio íntimo, o texto é assim contemporâneo. O erotismo é mais presente quando é o mais sutil, envolvendo a lã, a vírgula e a vela; no desdém com que a terra trata o exibicionismo dos raios e dos sabres; no jogo de xadrez.
Com ironia, o poeta sugere que a luz é mais fraca do que o escuro, enquanto rima desdém com idem; revela-se sonolento em seus mergulhos existenciais; sofre com joelhos frouxos no caminho da fé; percebe sua vontade banal e simplória, o risco se torna um detalhe cotidiano de quem tem “vontade de não pecar sem ser santo”. Se o poeta se apaixona, tem vontades, ele se sabe tão banal quanto qualquer um.
Cabe, não menos, ler o poeta que se encanta com as contradições e com a rigidez da realidade. Seu encantamento com a grandeza da vida alaga os pulmões. Sem esperança e sem ser triste, o poeta apenas ama as oportunidades. Bernardo Monteiro de Castro
Ótima leitura.