Feito flor que brota em encruzilhada — tesouro das eras e viajante das sagas —, nada como um livro para viajar e carregar histórias nas pontes entre o passado e o futuro. Vitor conta, e nos encanta, através de seus olhos e poros e se expressa com a mesma liberdade em uma escrita-corpo. Em pulsação de vida, seus poemas são como portas e janelas que nos levam à malandragem das ruas, de mandingas e rezas, dos balanços entre o riso e a memória.
Com muita satisfação, pude deslizar numa deliciosa leitura, onde seus versos versavam, também, em minha vida: senti cheiros e lembrei que beijava a mão da minha avó para pedir a benção. Em suspiros, lágrimas, risos e lembranças que, por vezes, me tiravam os olhos do texto e me via, perdido em mim. Tragado em estímulos vibrantes, entendi que o transe também compõe a leitura, suas palavras, versos e arranjos carregam um profundo poder de expansão.
Faca na bainha surge no centro do redemoinho da terra vermelha — cruzeiro do sul que a estrela norteia. A poesia brota, feito brilho de faca no suor da onça, onde suinga o verso e a palavra bebe água. Abundantemente vivo, cria um delicioso contra-ataque para os tempos que tensionam em nossa órbita. Cartografia dos símbolos, a transa dos tempos em uma dança fluida.
A leitura que se refaz em miração: terminamos o poema sob a bruma de seus feitiços, com a palavra que corta, mas também reluz e aponta, e por vezes, descasca os sintomas da caretice que mantém os tempos em constante aflição. Sinais de um tarot tropical, onde os arcanos maiores trazem o cheiro da horta e a chama da vela, que combina com o vermelho da telha das casas do bairro. Lança faróis e aproxima lupas na direção de microdramaturgias que configuram uma vida latente, fora do close das telas e, ao mesmo tempo, enraizada nos baobás que dormem dentro da gente.
Desde “Ladainha” (Parte I) a “Louvação” (Parte II), borrifa plantas de poder e defuma os quatro cantos da casa em charutos de benzer, zelando das mitologias que compõem nosso imaginário. Como uma pérola negra que reluz nosso tesouro ancestral. Poesia e pajelança somadas às mais altas temperaturas. Luzes, cruzes e calçadas. Deslizou pelos poros e transou meu suspiro mais profundo de gratidão e pertencimento.
Almir Rosa