Este é um livro carioca. Com todo charme, deboche, calor e esquinas sujas. É um livro noturno, um livro da madrugada. É um livro de quem vive a repetição de lembrar e ter que esquecer. Um livro que faz graça com a desgraça, que entre o ódio e a derrota cria tempo para dar uma flertada, que sabe que o que resta é seguir. Andressa não deixa o infortúnio ter a última palavra, ou o desgosto estar desacompanhado de um risinho, mesmo que amargo. Seus versos olham com ironia para as emoções que carregam — as mastigam, engolem e cospem, entendendo que, mesmo se forem ridículas, pelo menos são honestas.
É um livro que, andando com pressa, encontra um boyzinho pelo caminho, um corpo do qual não se espera muito porque tudo acaba mal no “capitalismo tardio” e tudo se esquece, ou morre na praia, talvez porque “não é possível amar nesta economia”, apenas comprar cigarros e classificar seus amores a partir deles. É um livro que incorpora a bela cerimônia meio-festa-meio-fúnebre de tentar exorcizar uma paixão cantando karaokê na feira de São Cristóvão, e reconhece que muito se dissipa antes mesmo de começar, como a onda de ódio capaz de abastecer uma revolução, mas que termina em “Fiz um tweet e depilei as pernas. Era suficiente/Sou millenial”. É um livro que tira sarro da falta de talento de uma inteligência artificial para a poesia, provando que poetas ainda servem para alguma coisa.
É um livro para ser lido em voz alta. É um livro que pode ser vivenciado ritualisticamente, em um bar de gosto duvidoso em algum canto desse Rio de Janeiro [ou preencher com outra cidade]. Passar o livro para a pessoa ao lado a cada poema, tomar um gole de algo a cada página virada. Ao atingir o meio da publicação, pedir um gurjão de frango com molho rosé, por falta de frango de padaria:
I — usar o livro para dar nome aos bois, II — afogar o que falta ser afogado, III — dizer amém quando enterrar seus fantasmas, IV — agradecer pelos livramentos, V — encerrar o culto no último ponto final.
— ou então —
ler sozinha, debochada, regendo seu próprio expurgo como um maestro regendo uma orquestra para ninguém.
E, apesar de tudo, e de uma nova forma, ser romântica.
Alexia Carpilovsky