Em Confissões de um cadáver adiado, seu décimo livro, o escritor gaúcho Luiz Carlos Freitas mescla ficção e realidade para conceber um romance autobiográfico em que mergulha fundo na alma humana, expondo nossos medos mais secretos, as idiossincrasias e as fragilidades, e explorando temas comuns a todos — vida e morte, fé e ceticismo, amor e ódio, egoísmo e generosidade. Freitas parte da experiência pessoal com a luta contra cânceres sucessivos para compor um painel humano devastador, cruel, revelador, mas sem perder a ternura e a esperança.
A história é narrada em primeira pessoa pelo alter ego do autor, o escritor e jornalista Lucas Portugal, diagnosticado com câncer no estômago, no baço e no pâncreas. É a confirmação do que ele sempre soube que aconteceria: ser acometido da enfermidade que matou seu pai há 38 anos. Irônico e sutil, direto e objetivo, em paralelo ao relato do cotidiano de doente terminal duelando com a morte, ele disseca o passado, recupera traumas ocultos no subconsciente, se rende a verdades até então camufladas, e se liberta de amarras imemoriais.
Mais do que uma obra ficcional baseada na realidade, Lucas protagoniza uma história plena de verdade e coragem, tornando-se exemplo de superação e de amor à arte, especialmente à literatura. Escancara a luta pela sobrevivência, os sonhos interrompidos, a ironia de se ver à morte quando estava na iminência de mudar de vida, então insossa, apartada dos contextos familiar e social. A narrativa de Lucas recupera memórias, desnuda convivências familiares tóxicas em meio a um mundo caótico e em reconfiguração ao longo dos últimos sessenta anos, enuncia um caráter introvertido, sinuoso, enigmático, e evidencia suas diferenças com o pai, morto aos 43 anos. É um acerto de contas do autor consigo, com o passado e o presente, em meio ao embate contra um algoz geralmente mortal. A jornada do autor-narrador-personagem é um mistério a ser decifrado, porquanto guarda um milagre, embora ele credite sua salvação à Medicina, à força mental, ao apoio da família e ao apego à vida.