_sobre este livro
Conheci Talita Feuser numa das cenas poéticas mais acolhedoras do Rio de Janeiro, o CEP 20000, entre rappers, performers, e o poeta Chacal. Chamou minha atenção a desenvoltura da moça ao falar os seus poemas, com gama de emoções que iam da candura à ironia, do modo íntimo ao crítico, como “observadora clandestina” dos fatos mais corriqueiros aos abalos subjetivos de uma mulher num “cenário implícito”. De fato, sua assinatura poética, exposta na cena ao vivo, era a de uma poeta atenta que fisga os múltiplos aspectos do vivido, tragando-os para um lugar velado, mas, ao mesmo tempo, revelador dos pormenores inusitados, sensíveis, da vida de uma mulher, cenas recortadas onde as palavras desafiam o leitor a ver mais do que as aparências.
A qualidade pessoal dessa poesia pode ser apreciada na versão em livro de poemas por si sós visuais, conjugados aos desenhos do artista visual Gpeto, cujo traço forte nos mergulha no cenário implícito da poesia, reverberando a vida urbana. A versão em livro confirma a perenidade das sensações provocadas pela enunciação oral. Uma das qualidades dos poemas é a busca do “apuro” com as palavras, o que pode chegar a exercícios plásticos com a composição visual das mesmas: “calo calo calo calo calo calo calo calmaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa/nem todo ar é sopro”.
Não se trata, porém, de um maneirismo exibicionista de virtuosidade no manejo da Língua, mas da busca artesanal de romper com os limites do implícito/explícito, do fora/dentro, do banal/sublime, romper a plasticidade dos significantes estendendo o fôlego à falta de ar, ao irrespirável da experiência: convite ao risco da poesia.
Quando aceitamos o convívio com este olhar sobre as coisas, ficamos também expostos ao olhar do outro, e ao mesmo tempo somos observadores, todos embarcados nessa travessia, aventurando-nos pelos recantos obscuros das palavras, munidos de lentes de aumento para a erótica do corpo, expostos “sem cordão umbilical/sem placenta/como posso então ainda me nutrir?”, abertos, portanto, ao que vem sob as formas variadas dos poemas.
Trata-se de disponibilidade ao contágio da poesia, um SIM dito à abertura do corpo para a vida das sensações, enfrentamento do tempo, na contramão da pressa da vida contemporânea, sem pressa como quem toma café sentindo o gosto e vendo a paisagem como promessa: “nós teremos tempo/ainda é cedo/[para o que não tem fim]”
Ana Chiara