Conheci Yana em uma oficina de escrita: dedicada, misteriosa, empolgada com o que podia fazer com as palavras. Conheci Yana escrevendo este livro de biquíni, para suportar o calor; depois de um banho de mar; ou de dias intensos de trabalho, remando contra o sono. Conheci Yana teimando em atravessar a cidade, de bicicleta, enquanto chovia — recriando, feito profecia, uma cena descrita em um poema escrito meses e meses antes: “não deveria ter saído com a chuva/não deveria ter saído com as palavras”, em diálogo com os versos de Matilde Campilho. Para alguns, tudo isso é história, e não importa. Para mim, entretanto, o caminho para ler os poemas aqui reunidos é justamente o da intimidade, algo tão caro à poesia de Yana, algo que ela desenvolve tão bem.
Senhoras e senhoras, este livro reúne uma poesia explosiva, “vida que brota”, vista a partir de uma lente multifacetada. A poeta transita entre um olhar reflexivo e crítico sobre a cidade, especialmente uma grande metrópole, que ora é Rio, ora é São Paulo, e se mistura à pandemia, ao desgoverno, à inflação dos supermercados, à desigualdade social, à precarização dos trabalhos e trabalhadores: “Quantas passarelas da Avenida Brasil podem sustentar minhas mãos em descontrole, o meu corpo em descontrole, uma pandemia em descontrole”.
Ganha relevo, também, a desestabilização que essa cidade provoca, o que nos leva a uma escrita que, apesar de íntima, apesar de partir de si, é também descentrada, por vezes até desconcentrada — foge, se amplia. É em meio à profusão de luzes e estímulos da cidade e do seu tempo que Yana veste tudo de neon, até mesmo a pele. E escreve sobre incertezas, desconhecidos, desequilíbrios variados. Escreve no ritmo acelerado da cidade, mas cria um outro fluxo, apostando no que não estudou, no que não conhece, no que não sabe nomear. Aposta na escrita e no amor, coisa de quem sabe que é sempre melhor acordar com quem se ama — “o dia é mais dia quando acordo dentro dos seus olhos”.
A alusão aos vestígios do cotidiano, desde as pizzas frias na geladeira até “o jeito de amar a maneira como seu esmalte rosa se desfaz”, é um exercício poético em si. E assim ela funde o amor e a escrita como dois gestos indispensáveis, incontornáveis, que explodem apesar do capitalismo, apesar dos pactos sociais de pura violência e embrutecimento. Toda vez que isso acontece, ela segura o avião, e “life can be so sweet”.
Regina Azevedo