Peixe, jumento, ave, cachorro, coruja, porca, bacurim, elefante, vaca, crocodilo, cobra, rato, rã, lagartixa, sapo, onça, barata, minhoca, pombo, siri, bode, hipopótamo, crisálida, tartaruga, gato, carijó, anta, araçari, urubu, abelha, galo, grilo, galinha, zebra, burro, pato, porco, ovelha, boi, carneiro.
Esses são alguns dos bichos que nos olham das páginas de Alimária, palavra que significa “animal irracional” ou “besta de carga” e, por extensão, “pessoa estúpida, grosseira”. Os sentidos dicionarizados revelam mais sobre as gentes humanas do que sobre bichos. Foram elas que definiram outras gentes segundo suas funções no sistema econômico.
Vivemos ainda esse sonho de azar: capitalismo.
Mas a linguagem está cheia de tocaias. Aqui os poemas torcem os sentidos literal e figurado até que a gente compreenda: “ter minhocas na cabeça / sabê-la viva e adubada”.
Em Alimária, gentes de toda espécie dão seus recados. Assim como são as pessoas, são as criaturas. O Mendiguinho surge e ressurge cantarolando o fim do mundo e Zé Doidim avisa: te alui. Bois deliberam sobre a fome. O poema terceirizado anda de busão, enquanto o poema sério esquece de onde vem o marfim com que fabrica sua torre. Um verso gritará “iêi ô putaria” nas ruas de Fortaleza; correndo como Iracema, Geni anuncia docinhos azedados pelo sol. De algum lugar próximo, no tempo ou no espaço, uma voz aconselha: “é ódio meu filho ódio / ódio o que te falta no coração”.
Primeira queda do céu: o caçador se transformou em caça. E os xapiri, dançando para os xamãs no tempo do sonho, sustentam outro firmamento. Mas parte das gentes humanas se esqueceu desse tempo e segue destruindo os que não se enfeitiçaram pela mercadoria: segunda queda do céu.
Pobre bichinho esse que não sabe mais sonhar. Às vezes podemos rir dele, rir com ele, rir de nós mesmos. Riso nervoso.
Nesse mundo, o poema é o avesso da poesia: a alimária real está concretada nos muros da metrópole, como um fóssil.
Suene Honorato