Telma Scherer e a poesia aprisionada
Na Feira do Livro de 2010 em Porto Alegre, ela foi presa pela Brigada Militar sob a vaga acusação de perturbar a ordem pública durante uma performance. No dia em que a prenderam, disseram que ela não tinha, que não era, que nada tinha sido, que ela não tinha nada. Ela era um corpo, um obstáculo que perturbava as compras e as vendas na Feira do Livro.
Escoltada por dez policiais e duas motocicletas, ela foi presa. As câmeras apontaram para ela como as escopetas que impediram sua liberdade.
Essa prisão, mais de dez anos depois, ainda permanece. O dia que nunca terminou, cercado de leitores de bestsellers, aqueles que têm um teto sobre suas cabeças, poltronas confortáveis, que se perguntam que crime ela cometeu, porque se ela foi presa, deve existir uma razão.
Ela “atrapalhava” a Feira, porque estava numa casinha de cachorro, sobre um cobertor vermelho onde havia livros. E um cartaz na entrada da casinha: “Não alimente o escritor”. Onde a escritora estava acorrentada, tão rodeada de liberdade e espaço, de literatura, de papéis pintados, no meio da praça. Então a levaram.
E essa prisão foi a continuação, não o fim do espetáculo. Tinha começado muito antes, quando ela começou a produzir arte, poesia.
Aquele dia continua, e vem de sempre, como agora. Vem da liberdade ilusória de falar e de ser ouvida quando ela tenta dizer que o show acabou, para que eles possam ir se refugiar em seus best sellers ou votar em Bolsonaros.
Esta prisão é a da artista e sua obra, de sua atitude e seu significado. Está também presente neste livro, nesta poesia livre e agredida, como a vida. Nestes dias em que uma mulher é presa a cada momento. Nestes tempos em que a liberdade é poesia, na performance de uma existência plena, livre e solidária. E neste livro.
Fernanda Melchionna