Nem sempre há possibilidade de redenção, na vida e na literatura. Mas, às vezes, há a possibilidade de vislumbres de uma luz estranha, que quando toca — sempre com assombro e volatilidade — as coisas do mundo, tem o poder de vicejar, em pequenos instantes, verdadeiras epifanias.
É disto que se encarrega a escrita de Iko Flores, das impressões indizíveis encapsuladas de forma quase sobrenatural em invólucro de texto. Em seu livro de estreia, nos deparamos com a escassez das respostas, porque elas deixam de ser importantes quando são os enunciados que carregam as revelações.
No conto “A idade das perguntas”, que dá título ao livro, os questionamentos se desenrolam sem sobreposições hierárquicas, ou sem apreço ao reino da lógica. O que é o suicídio? — a criança pergunta ao pai. Quando o sol se põe no horizonte, ele passa a iluminar o fundo do mar? Também os cavalos, quando velhos, ficam grisalhos? Indagações infantis, profundamente necessárias: enquanto o olhar da criança busca compreender o mundo, ela gradativamente o reinventa.
Os estremecimentos que perpassam os contos aqui reunidos são de uma ordem singela, jamais abalada por excessos, seja de luz ou de sombra. São, contudo, dramas cotidianos que, ao trabalharem as irrupções do que há de mais poético e de decisivo no humano, nada têm de banalidade. Ao autor interessam mais os sobressaltos do âmago do que os eventos (trágicos ou esperançosos) que se desencadeiam em torno dos personagens. Estes, solitários, em busca de salvação ou diante do abismo, patéticos ou imbuídos de uma dignidade intrínseca, são protagonistas porque carregam o agon, o conflito, mas na via contrária à das jornadas heroicas: pois são antagonistas de si mesmos, e seus desfechos importam menos do que seu encontro com as questões que trazem. O encontro, nesses contos, essa fricção entre dois corpos, dois mundos ou duas desolações, é colisão ou adeus, confluência de cursos d’água, sempre efeito alojado entre as omoplatas, deixando em seu rastro reverberações de beleza. É uma prosa que se desfolha em consumição necessária, de dor ou de graciosidade. Somos invasores em um universo magnético e as tramas escondem, aqui e ali, passagens secretas.
Neste sentido, Iko Flores é habilidoso não apenas em tecer ficções inventivas e luminosas a partir das linhas mais tênues: sua prosa se firma em pequenos e constantes clarões de poesia — aquela luz estranha que, quando se revela, é sempre intempestiva e rara.
Léo Tavares