Anielson, que escreveu esses poemas de manhã ou de tarde — nunca à noite —, escolheu uma epígrafe angular para o seu tumulto. Sobre (e sob) Drummond, dobrando à esquerda e a esquina da América Latina deste século, como quem nos leva em uma de suas andanças por Petrolina, ele também acaba contando o que o Carlos não viu, num raio X da (nossa) cidade capitalista aberta, “inteira/estranha/monstruosa”, na qual anteriormente flores nasciam no asfalto, mas que agora “mostra suas pétalas/murchas”. Superando a máxima (e contraditória) do minimalismo pelo seu avesso, o poeta diz dizendo, mas não ditando, como um ourives de metáforas brutas. Sua poesia, consciente das limitações da palavra, confia na sugestão. Ouça os versos e o que ele diz na contramão enquanto canta:
“minta para mim um pouco mais
como os Andes mentem à Terra
como o século XXI
mente ao
Muro de Berlim”
O baiano, que (des)pertence do vale fluido do São Francisco, demonstra na prática a máxima sobre a impossibilidade de se atravessar o mesmo rio mais de uma vez. Ainda que esteja lá, cravado no chão milenar, seu fluxo, que nunca é o mesmo, é como aquilo que Anielson entende por lugar: uma relação essencialmente entre forma e conteúdo. As fotografias que compõem tumulto ilustram o que o poeta nos conta: “o esquecimento deve ter esta estrutura, carcará, eu poderia ficar um pouco mais, dos espaços frios que golpeiam um sujeito ardente e estive fora por um tempo” e uma bota e um banco de madeira nos conduzem ao jogo dialógico proposto pelo poeta. Ele conversa com algo que nos falta, e aquilo que nos falta, a nossa perda, é o que o poema dele perdeu. Ficou confuso? É como matemática. Menos com menos dá o quê?
Por último, as preces contidas em seus amores traduzem coisas que ainda nem foram pensadas.
“nem haverá maneira de encarar
teu olhar depois de um beijo
esses olhos onde a poesia tem que acabar
o amor tem que acabar”
Quem diria que seria possível inverter essa frase infame? Pois é. Ele fez.
Joaquim Bührer Campolim