Kauan Almeida é marulhoso. Precisei acessar uma calmaria minha, vinda do signo de água, para poder seguir o movimento do poeta baiano, a quem sempre falei ser uma das vozes mais estrondosas do século XXl. Quando se lê as primeiras linhas deste livro, que se transfigura para além da estética e forma poética, se é atingida/o/e. Eu fui. Sobrevivi ao naufrágio. Faz um tempo que ouso brincar com as palavras, e parece que sempre, ao tentar falar sobre a escrita do autor, tal brincadeira me escapa pelos dedos. Eu engancho a bola na árvore amarela da vizinha.
Acontece que esta obra me pegou em cheio. Talvez pela acidez das palavras, as metáforas criadas para fazer o caminho oculto, como o título, que diz muito sobre uma das paixões de Almeida: Caetano Veloso. Talvez por nos trazer notícias de desejos pungentes, corpos que esbarram nos nossos quando trafegamos pelo mundo em busca de um rosto. O Outro. “Fulano”. Aqui, também se elabora sobre o véu que o autor tenta manipular para que nós, que lemos as poesias do livro-matéria, pairemos sobre a superfície. Estamos presos/as/es em sua teia. Ler o “Oculto como aquilo que habita a superfície” é deparar-se com imagens cotidianas e de inúmeras facetas: gozos de homens amados, invenções, cus que se alocam entre fetiches e armas, a solidão de dias frios em Porto Alegre, um retrato marítimo do quintal da casa do autor, em Porto Seguro/BA, amores amargos, odes às “bichas de nosso tempo”. É difícil sintetizar a colcha de retalhos imagéticos construída neste livro, e digo que perigoso também, afinal, toda síntese é violenta.
Neste, que é seu primeiro livro como poeta, Almeida nos sopra aos ouvidos os segredos do mar, e somos prontamente encantadas/os/es por um encontro que mescla língua, linguagens, corpos, desejos, códigos marítimos cantando que “todo poema é efêmero, conquanto eterno”. Assim, nos é entregue uma obra que impacta ao ponto de eternizar-se, cravando-se na pele como tatuagem. É engraçada essa nossa vontade de imortalizar na carne a linguagem, algo como “a distância entre a palavra e a coisa”, como o autor ensina.
Neste livro-barco, Kauan Almeida recria o que conhecemos como arte poética. Não há um eu-poético único, mas sim sujeitos que gozam, vivem, amam, morrem, renascem, revoltam-se, remexem-se na palavra “superfície” até que, ocultos, não os encontramos mais. É preciso aproveitar a viagem e sempre lembrar-se “do desejo”.
Isabely Fonseca