Artes certas para podar bonsais
Concha Rousia olha para tudo em profundidade. Sempre. Olhar não é apenas ver; exige querer pousar os olhos no que anda à volta da nossa paisagem interior. Esse ato de vontade permite contemplar a realidade doutra maneira; ordena tudo. Quem fizer por ver, encontrará detalhes inadvertidos. Se eu dissesse dela que é espiritual, transcendente, essencial, as etiquetas iriam perturbar a leitura. Calo. Se eu dissesse que quando a leio, nesta entrega como noutras, sinto a frescura do ar que respiro, que me comove, ficaria limitada. Na verdade, verifico nunca ter olhado; não assim. Mas as palavras constringem, tiram-nos a liberdade porque fixam os caminhos que devemos transitar, e eu não gostaria de condicionar a leitura de outrem. Calo e penso na inutilidade de todos os prefácios, meras palavras explicativas e, portanto, pretensiosas, ou, no melhor dos casos, apenas orientadas a deter a leitura, a adiá-la. Os prefácios são vestíbulos destinados a reter as pessoas antes delas passarem para onde verdadeiramente importa, para onde devem ir.
Quando podamos uma árvore, empreendemos uma ação elementar de jardinagem. Na teoria, eliminamos as ramas secas, damos forma, obrigamos a que a árvore cresça para onde nós quisermos e não de maneira desamanhada. Porém, quem já tiver podado sabe que a prática é radicalmente diferente: não fazemos com que a árvore que realmente existe se pareça com uma árvore ideal; simplesmente libertamos a árvore de cargas, conseguimos que o entusiasmo da seiva não a desoriente. Concha é uma jardineira conceitual. Diminui o tamanho, dá a forma certa, assegura a vitalidade do galho que toca. Desta vez, escolheu o formato do haiku, um poema bonsai do qual retalhou os rebentos sobrantes e as raízes gulosas até ele ficar diminuto. Cinco-sete-cinco e a jardineira introduz um corte limpo. Cinco-sete-cinco e desbasta a árvore ramuda. Nunca pretendeu criar uma forma caprichosa; não tenciona impor-se à árvore, mas desvendar a sua autêntica natureza, o carácter. E o bonsai, breve, mínimo, cinco-sete-cinco, expressa-se em todo o seu esplendor. Condensa a felicidade de ser uma árvore em miniatura.
Concha escreve bonsais que relatam a arte de viver de alguém sábio, como ela é: a arte de saber olhar para o que se está a passar, exatamente agora. Haja quem diga que é insólito o haiku na cultura galega, que se trata duma modalidade alheia, excessivamente refinada ou esquisita num povo que sempre cultivou árvores de grande tamanho e até importou gigantes que devoraram as suas florestas. Essa seria uma perspetiva superficial porque contornaria a evidência de que na Galiza, como em toda a parte, importa saber olhar, aspirar o aroma do tempo, deliciar-se na fugacidade do que acontece até se instalar lá. O sapo e a margarida nem tem pretensões místicas, nem se adapta a filosofias importadas. O hedonismo sempre se concentrou no instante; precisa dum olhar em profundidade. Como Concha tem.
Teresa Moure
Na aldeia da Cacharela, onde a jardinosofia ajuda a subsistir, no dia 26 do confinamento da era do COVID-19.